quarta-feira, 16 de março de 2016

A mulher leopardo.


Um livro derradeiro  escrito por Moravia titulado  “A mulher leopardo”.

Acredito que grande parte da literatura seja a atualização de relatos, de historias ou de mitos que vem da antiguidade, neste caso o romance acompanha essa eterna Repetição, ele cria uma nova mutação para um relato encontrado em Herodoto (484 y el 425 a. C) conhecido como a historia de Giges e Candaules.
Alberto Moravia (1907-1990) foi um autor que abordou questões de comportamento humano que envolve a  sensualidade, o tédio e o mundo interior de seus personagens, curiosamente assuntos  ligados com a questão  existencial  habituais na temática de autores franceses e não nos italianos.Neste romance , inclusive, se aventurou a descrever até cenas de sexo explicito similares as que alimentam publicações como as de Milo Manara,  comumente não abordadas pela grande arte, para se ter uma idéia a cena na qual  narra o primeiro encontro entre os protagonistas Lorenzo e Nora incluem até  descrições detalhadas de sexo oral.
No final da edição da Record  da coleção “mestres da literatura contemporânea” o escritor e crítico literário Enzo Siciliano publica duas paginas com o nome de Posfácio onde pergunta : “ o livro é uma historia de ciúme e traição amorosa, de sentimento voyeurista e de doentia incapacidade de compreende?” .
O curioso é que o clima que provoca as indiretas de caráter sensual nunca é explicito,as suspeitas nunca são esclarecidas, tudo fica sem resposta; a passagem: “o que acontece entre Colli e eu não lê desrespeito” é a frase mais escutada por Lorenzo vinda da boca de Nora (sua namorada)  é a que mais representa o ambiente misterioso do romance.
Nora, uma jovem sensual que seduz Colli deixando a Lorenzo , seu marido (empregado de Colli) completamente obsessivo pela situação; personagens de um mundo burguês, entediados brincando com insinuações eróticas e com ambigüidades,  com climas, piscadas, charmes que trazem na memória aquele clima do filme de Jean-Luc Godard com Brigite Bardot chamado “ O desprezo” justamente baseado em um outro romance de Moravia.
O tema quase que único no livro é o tédio e o mundo interior do Lorenzo , as especulações de infidelidade  colaboram para materializar uma sensação de  insegurança, uma provocação , um importuno e um mal estar que termina em ódio por parte do protagonista em relação ao seu rival.
Sinopse.
Lorenzo, casado com uma mulher sensual, Nora, a apresenta a Colli, um dos donos do jornal para o qual trabalha, este os convida junto com sua esposa Ada a uma viagem ao Gabão, na África. Nora e Colli se conhecem e simpatizam um com o outro, Lorenzo atormenta-se com a suspeita de que eles tenham um caso. Ada, a esposa de Colli, contribui para a desconfiança com seu comportamento equívoco, ela e Lorenzo por vingança acabam respondendo as demonstrações de interesse do casal (Nora e Colli) concretizando encontros íntimos. No final da trama Colli sofre um acidente e morre.
Mitos

O livro começa com a citação de um relato  presente na obra de Herodoto, a historia de Giges e Candaules. Candaules era Rei da Livia no ano de 680 antes de Cristo, ele tinha muito orgulho da sua mulher e quis compartilhar a beleza da sua esposa, ele convenceu a seu amigo Giges para que ele a observe nua. O introduziu no quarto e escondido Giges conseguiu ver a rainha se despir. Ela descobriu tudo e ofendida mandou chamar Giges e o colocou entre a espada e a parede, ou ele matava o rei e se torna seu esposo ou
ela o mandaria matar. Ante essa situação Gige matou o rei e se tornou herdeiro do trono na Livia.

Este relato teve vários desdobramentos,  inspirou autores como Platão, Boccaccio e inclusive   a partir do conhecimento deste relato histórico a pratica do prazer de mostrar ou de observar a sua  parceira nua ou em uma relação com outra pessoa  ficou conhecida com o nome de  cadaulismo, no final um tipo de vojeurismo.

O homem Búfalo.

Existe um segundo relato  que acaba dando titulo ao livro, a historia do homem búfalo; Colli e Lorenzo estavam observando a floresta e acreditam ter presenciado dois olhos na obscuro da noite, Colli relata uma historia que ele escutou em Gabão, o relato é o seguinte:  toda uma aldeia estava apavorada pelas mortes causadas por um búfalo, ele tinha matado uma anciã, depois um camponês; contratam um caçador profissional e o búfalo mata ao homem, então decidem reunir os sábios da tribo e  estes afirmam que se trata de um homem búfalo, que fulano era o homem búfalo, chegam na sua casa o prendem , mudam a aldeia para  alguns quilômetros de distancia e termina o problema.

Voltando ao presente especulam que aqueles olhos que os dois observaram poderiam ser de um leopardo, chega Nora e, comentam o ocorrido com ela, ela brincando, diz, eu sou a mulher leopardo e olhando para Colli fala :vou te comer.

O Autor e a questão das relações.

Moravia com este romance provoca  a fantasia erótica do leitor mas não torna glamorosa a figura de Nora.

Ao contrario mostra a incapacidade de poder usufruir de uma relação estabelecida desde quatro ângulos. Lorenzo como um obsessivo doentio, Nora como uma vulgar sedutora, Ada como uma ama de casa que se expõe a uma relação erótica por vingança e Colli como um maníaco perdido que encontra um final trágico.

A relação com África.

Moravia é um autor que vem de uma esfera social favorecida economicamente.  Não sei se este fato de algum modo explica sua falta de sensibilidade para se aproximar do mundo popular, mas o fato é que ele é irônico em relação às roupas dos africanos, (as descreve como tipos de pijamas coloridos), sua experiência com a musicalidade áfrica é superficial (apenas a menciona rapidamente sem se deter) e descreve o cenário que vê só como um lugar precário e  miserável.

Porem uma narração salva sua apreciação humana em relação aos africanos, esta ocorre quando descreve o modo de viver dos pigmeus.Colli, o personagem que representa o poder  burguês se lembra de ter presenciado que os pigmeus vivem em buracos tampados com folhas , comenta que ele presenciou  como eles dormiam abraçados e como esta cena produziu inveja nele.

A passagem diz: “Senti inveja pelos pigmeus que continuavam abraçar-se daquele jeito mesmo  já crescidos. Em suma, fui tomado pela saudade da infância, quando entre nos e o mundo existe a proteção da mãe. Aí a gente cresce e já não tem mais aquela proteção”.

Final.

O romance coloca o leitor em um ambiente onde mora a apatia, a indolência e indiferença. Jogos de sedução ocultam uma falta de compreensão de valores  verdadeiros, uma sensação de vazio existencial permeia os personagens, o mérito de Moravia foi criar uma trama onde nada acontece e não em tanto a leitura flui.

 

 

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quarta-feira, 9 de março de 2016

Ciortazar e os cronopios

“Historias de Cronopios y de Famas”.


Com este título Julio Cortazar publica em 1962 uma serie de relatos diferentes, curtos, de característica anárquica, autônomos, breves, sem continuidade, mas com algo surreal que os permeia.
Trata-se de uma recopilação de sessenta e quatro  textos divididos em quatro partes e um prólogo: No prólogo duas paginas primorosas escritas em um estilo poético, destaco os trechos: ...“E não que esteja mal se as coisas nos encontram outra vez  cada dia e são as mesmas. Que ao nosso lado esteja a mesma mulher, o mesmo relógio, e que a novela aberta sobre a mesa  convide a dar um passeio outra vez á bicicleta de nossos óculos”….
 ...“Quando abra a porta e olhe da escada, saberei que embaixo começa a rua e; não o molde já aceito, não as casas já sabidas, não o hotel de enfrente; a rua, a viva floresta onde cada instante pode se jogar sobre mim como una magnólia, onde as caras vão nascer quando as olhe, quando avance um pouco mais, quando com os cotovelos e os cílios e as unhas me rompam minuciosamente contra a pasta do tijolo de cristal, e me jogue na vida em quanto avanço passo a passo para ir a comprar o jornal na esquina.”
Um prólogo que nos introduz, nos ambienta no que é propriamente o livro... A partir de este convite temos os relatos: primeiro o ”Manual de Instruções”, onde se reúnem uma serie de textos que envolvem imagens humorísticas, pensamento; muitos deles estão escritos de forma lúdica onde se descrevem de modo didático, diferentes tipos de ensinos: instruções para chorar, para ter medo, para dar corda a um relógio ou preâmbulo às instruções para dar corda a um relógio.
Destaco alguns trechos deste último: “Pensa nisto: quando te dão de presente um relógio te oferecem um pequeno inferno florido, uma corrente de rosas, uma prisão de ar... Te apresentam um pedaço frágil e precário de você mesmo, algo teu mas que não é teu corpo, que tem que atar ao teu corpo com sua corrente como um bracinho desesperado pendurando-se  do teu pulso. Te dão a necessidade de  lê dar corda, o medo perde-lo. Não te oferecem de presente um relógio você é o presente para ele”.


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O segundo grupo de relatos se intitula: “Ocupações raras”, começa com o relato “simulacros”  nele podemos ler: “ Somos uma família estranha. Em este pais onde as coisas se fazem por obrigação ou fanfarronaria”.
Os relatos falam sobre procedimentos sociais (como se comportar em um velório), conselhos sobre a recuperação capilar...
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A terceira parte se chama “Material plástico”,  reúne breves relatos relacionados com o mundo laboral  e atividades  absurdas, como de cortar una pata a uma aranha para enviá-la ao Ministro de Relaciones Exteriores , ou como o caso mágico de um espelho situado na iIha de Páscoa, que, atrasa ou adianta no tempo  a imagem de quem em ele se reflexa.
De esta  seção do livro vou me deter em três textos que me impressionaram:
Tema para una tapeçaria.

Um general tem só oitenta homes e o inimigo cinco mil. Ele escreve uma proclama e duzentos infantes se passam ao general. Segue uma escaramuça que o general ganha facilmente, e dos regimentos se passam ao seu bando. Três dias depois o inimigo tem só oitenta homes e o  general cinco mil. Então o general escreve outra proclama, e setenta e nove homes se passam ao seu bando. Só fica um inimigo, rodeado pelo exército do general que espera em silencio.. Ao alba o inimigo tira lentamente sua  espada e avança até à  tenda do general. Entra e o olha. O exercito do general se debanda. Sai o sol.
 Aqui o jogo do desmanche de um exercito que se passa de bando e a imagem de um general que com a força  única da sua presença neutraliza o poder numérico, metáforas sobre a lealdade, imagens para serem contadas em um tapume, mitos de guerreiros, desafios, ações que envolvem coragem, temores e desafios.

 Contos sem moral.
Uma narração completamente genial, absurda, típica do mundo de sonhos das “mil e uma noites” na qual um homem vende gritos e palavras; vendia pregões para ambulantes e palavras para as pessoas do povo  até que teve a iniciativa de oferecer para uma autoridade as últimas palavras , o tirano o colocou na cadeia , o vendedor se lamentou argumentando que ele as precisaria para configurar seu destino histórico retrospectivo.
O tirano comprou as ultimas palavras em quanto sofre uma rebelião de seus secretários e oficiais, o matam de um tiro antes de poder dizer as palavras, procuram ao vendedor para conhecer qual seria a última palavra que falaria o tirano, mas como este não quer rebelar-la o matam a pontapés.
As ultimas palavras se tornam conhecidas e serviram como contra senha para que o povo possa se comunicar e derrocar aos que tinham usurpado o poder.O relato termina com a frase: os gritos ressoaram nas esquinas
 Uma situação absurda que desencadeia uma luta pelo poder, curiosa é a idéia de que alguém queira vender algo como “as ultimas palavras” e raros são os argumentos que usa o homem para convencer ao tirano a comprar-las, ele fala que o que ia a vender era o que ele próprio iria falar, mas que pelo medo e as circunstancias do momento não conseguiria pronunciar. Metáfora de uma espécie de cabala, de dizer sagrado que carrega a idéia do fim e da liberdade.
A línea das mãos.
 Uma línea imaginaria percorre objetos dispares e termina em uma mão que empunha uma arma.
 Cortazar costura com imagens  visuais uma linha  fazendo nossa fantasia voar por associações e caminhos borgeanos...enumera sucessões sem um elo aparente e nos convida a participar de seu percurso imaginário.
“ De uma carta jogada na mesa sae uma linha que corre pela prancha de pino e desce pelo pé da mesa....”.

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Historias de cronopios y de famas
Na  última parte do libro encontramos as  Historias de Cronopios e de Famas,  Aqui, Cortázar nos apresenta a t
rês tipos de personagens: os Cronopios (seres lúdicos e criativos) , os Famas (os formais, moralistas)y os Esperanças (seres oscilantes).
Cortazar conta como nascem os cronopios: “Eu estava em París em 1952 e fui a um concerto a ver Stravinski. No intervalo todo o mundo saiu a tomar café. Na minha frente apareceram personagens de cor verde, muito cômicos, muito divertidos e muito amigos. Seu nome era cronopios e chegaram assim. Más tarde os críticos tem procurado explicações…”
As vinte historias que compõem esta última parte, podemos constatar uma explicita critica ao sistema; as  formalidades, a sociedade burguesa, a hipocrisia.
Os relatos são cheios de imagens fecundas, fantásticas que estimulam a nossa ilusão.
Cito aqui o texto chamado “Relógios”: Um Fama tem um relógio de parede e da corda nele todos os dias, um cronopio pendura na parede uma alcachofra e vai retirando folhas no sentido das agulhas até que fica o miúdo, o come e coloca um novo relógio alcachofra no lugar.
Outro chamado “A barata estreita”:  Um homem ,sua mulher e sua sogra bebem de um liquido chamado virtude e começam a enxergar com maior lucidez o comportamento na sua volta.
Outro chamado “A foto saiu movida”  Um cronopio tenta encontrar a chave no seu bolso e tira uma caixa de fósforos, este ato desencadeia suposições infinitas do tipo e se em vez disso acontecesse aquilo outro?
Cito aqui um pequeno relato que fecha o livro; As tartarugas e os cronopios , nele Cortazar mostra as diferentes atitudes dos  grupos protagonistas: As tartarugas admiram a velocidade, as esperanças não se preocupa, os famas se burlam e os cronopios desenham uma andorinha sobre seu casco.
Anotações.
Como diria Soledad Arrieta relatos que vão da ironia até a cotidianidade.
 Cortazar parece se deixar levar por um impulso inventivo e assim da renda solta á sua imaginação conseguindo  em alguns textos resultados inesperados próprios de sua vocação  poética de  criador, textos frescos, como improvisados, influencias de uma zona permissiva que o ao modo do conceito de improviso no jazz.
Em alguns relatos o resultado parece oculto a nossa razão, em outros o mecanismo disparado pela enxurrada de engenho provoca conseqüências inesperadas que seriam difíceis de serem atingidas no decorrer de um discurso na ordem do lineal.
Alguns críticos acharam algo “sem pé nem cabeça”, outros como Luis Hars (um dos mais famosos e influentes cronistas da literatura latino-americana) consideraram uma obra menor, a poeta Alejandra Pizarnic aprovou a obra.
No artigo “ historias de cronopios e de famas, uma guia para ler Cortazar”  Paul W. Bogerson  fala que na realidade esta obra é uma guia da realização de um individuo, uma mão simbólica, poética e metafísica.
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Final
O encontro  com o simbólico e a quantidade de imagens oníricas que deixa o impacto da leitura na nossa mente é inegável .
Imagens, criatividade. liberdade são as palavras que vem na mina cabeça, similar ao que aconteceu com alguns discos de jazz onde a ousadia era o valor o caminho que orientou a obra neste livro Cortazar nos convida a um salto no abismo  uma visita a conhecer sua inspiração.