Um livro derradeiro escrito por Moravia titulado “A mulher leopardo”.
Acredito
que grande parte da literatura seja a atualização de relatos, de historias ou de
mitos que vem da antiguidade, neste caso o romance acompanha essa eterna
Repetição, ele cria uma nova mutação para um relato encontrado em Herodoto (484 y el 425 a. C) conhecido como a historia de Giges e Candaules.
Alberto Moravia
(1907-1990) foi um autor que abordou questões
de comportamento humano que envolve a sensualidade,
o tédio e o mundo interior de seus personagens, curiosamente assuntos ligados com a questão existencial
habituais na temática de autores franceses e não nos italianos.Neste
romance , inclusive, se aventurou a descrever até cenas de sexo explicito similares
as que alimentam publicações como as de Milo Manara, comumente não abordadas pela grande arte,
para se ter uma idéia a cena na qual
narra o primeiro encontro entre os protagonistas Lorenzo e Nora incluem
até descrições detalhadas de sexo oral.
No
final da edição da Record da coleção
“mestres da literatura contemporânea” o escritor e crítico literário Enzo
Siciliano publica duas paginas com o nome de Posfácio onde pergunta : “ o livro
é uma historia de ciúme e traição amorosa, de sentimento voyeurista e de doentia
incapacidade de compreende?” .
O
curioso é que o clima que provoca as indiretas de caráter sensual nunca é explicito,as
suspeitas nunca são esclarecidas, tudo fica sem resposta; a passagem: “o que
acontece entre Colli e eu não lê desrespeito” é a frase mais escutada por
Lorenzo vinda da boca de Nora (sua namorada) é a que mais representa o ambiente misterioso
do romance.
Nora,
uma jovem sensual que seduz Colli deixando a Lorenzo , seu marido (empregado de
Colli) completamente obsessivo pela situação; personagens de um mundo burguês,
entediados brincando com insinuações eróticas e com ambigüidades, com climas, piscadas, charmes que trazem na
memória aquele clima do filme de Jean-Luc Godard com Brigite Bardot chamado “ O
desprezo” justamente baseado em um outro romance de Moravia.
O
tema quase que único no livro é o tédio e o mundo interior do Lorenzo , as
especulações de infidelidade colaboram
para materializar uma sensação de insegurança, uma provocação , um importuno e um
mal estar que termina em ódio por parte do protagonista em relação ao seu
rival.
Sinopse.
Lorenzo,
casado com uma mulher sensual, Nora, a apresenta a Colli, um dos donos do
jornal para o qual trabalha, este os convida junto com sua esposa Ada a uma
viagem ao Gabão, na África. Nora e Colli se conhecem e simpatizam um com o
outro, Lorenzo atormenta-se com a suspeita de que eles tenham um caso. Ada, a
esposa de Colli, contribui para a desconfiança com seu comportamento equívoco,
ela e Lorenzo por vingança acabam respondendo as demonstrações de interesse do
casal (Nora e Colli) concretizando encontros íntimos. No final da trama
Colli sofre um acidente e morre.
Mitos
O livro começa com a citação de um relato presente na obra de Herodoto, a historia de
Giges e Candaules. Candaules era Rei da Livia no ano de 680 antes de Cristo,
ele tinha muito orgulho da sua mulher e quis compartilhar a beleza da sua
esposa, ele convenceu a seu amigo Giges para que ele a observe nua. O
introduziu no quarto e escondido Giges conseguiu ver a rainha se despir. Ela
descobriu tudo e ofendida mandou chamar Giges e o colocou entre a espada e a
parede, ou ele matava o rei e se torna seu esposo ou
ela o mandaria matar. Ante
essa situação Gige matou o rei e se tornou herdeiro do trono na Livia.
Este relato teve vários desdobramentos, inspirou autores como Platão, Boccaccio e
inclusive a partir do conhecimento deste relato
histórico a pratica do prazer de mostrar ou de observar a sua parceira nua ou em uma relação com outra
pessoa ficou conhecida com o nome de cadaulismo, no final um tipo de vojeurismo.
O homem Búfalo.
Existe
um segundo relato que acaba dando titulo
ao livro, a historia do homem búfalo; Colli e Lorenzo estavam observando a
floresta e acreditam ter presenciado dois olhos na obscuro da noite, Colli
relata uma historia que ele escutou em Gabão, o relato é o seguinte: toda uma aldeia estava apavorada pelas mortes
causadas por um búfalo, ele tinha matado uma anciã, depois um camponês;
contratam um caçador profissional e o búfalo mata ao homem, então decidem
reunir os sábios da tribo e estes
afirmam que se trata de um homem búfalo, que fulano era o homem búfalo, chegam
na sua casa o prendem , mudam a aldeia para
alguns quilômetros de distancia e termina o problema.
Voltando
ao presente especulam que aqueles olhos que os dois observaram poderiam ser de
um leopardo, chega Nora e, comentam o ocorrido com ela, ela brincando, diz, eu
sou a mulher leopardo e olhando para Colli fala :vou te comer.
O Autor e a questão das relações.
Moravia
com este romance provoca a fantasia
erótica do leitor mas não torna glamorosa a figura de Nora.
Ao
contrario mostra a incapacidade de poder usufruir de uma relação estabelecida
desde quatro ângulos. Lorenzo como um obsessivo doentio, Nora como uma vulgar
sedutora, Ada como uma ama de casa que se expõe a uma relação erótica por
vingança e Colli como um maníaco perdido que encontra um final trágico.
A relação com África.
Moravia
é um autor que vem de uma esfera social favorecida economicamente. Não sei se este fato de algum modo explica sua
falta de sensibilidade para se aproximar do mundo popular, mas o fato é que ele
é irônico em relação às roupas dos africanos, (as descreve como tipos de
pijamas coloridos), sua experiência com a musicalidade áfrica é superficial (apenas
a menciona rapidamente sem se deter) e descreve o cenário que vê só como um
lugar precário e miserável.
Porem
uma narração salva sua apreciação humana em relação aos africanos, esta ocorre
quando descreve o modo de viver dos pigmeus.Colli, o personagem que representa
o poder burguês se lembra de ter
presenciado que os pigmeus vivem em buracos tampados com folhas , comenta que
ele presenciou como eles dormiam
abraçados e como esta cena produziu inveja nele.
A
passagem diz: “Senti inveja pelos pigmeus que continuavam abraçar-se daquele
jeito mesmo já crescidos. Em suma, fui
tomado pela saudade da infância, quando entre nos e o mundo existe a proteção da
mãe. Aí a gente cresce e já não tem mais aquela proteção”.
Final.
O
romance coloca o leitor em um ambiente onde mora a apatia, a indolência e indiferença.
Jogos de sedução ocultam uma falta de compreensão de valores verdadeiros, uma sensação de vazio
existencial permeia os personagens, o mérito de Moravia foi criar uma trama onde
nada acontece e não em tanto a leitura flui.
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