“Historias de
Cronopios y de Famas”.
Com este título Julio Cortazar publica em 1962 uma
serie de relatos diferentes, curtos, de característica anárquica, autônomos, breves,
sem continuidade, mas com algo surreal que os permeia.
Trata-se de uma recopilação de sessenta e quatro textos divididos em quatro partes e um prólogo:
No prólogo duas paginas primorosas escritas em um estilo poético, destaco os
trechos: ...“E não que esteja mal se as coisas nos encontram outra vez cada dia e são as mesmas. Que ao nosso lado
esteja a mesma mulher, o mesmo relógio, e que a novela aberta sobre a mesa convide a dar um passeio outra vez á bicicleta
de nossos óculos”….
...“Quando
abra a porta e olhe da escada, saberei que embaixo começa a rua e; não o molde
já aceito, não as casas já sabidas, não o hotel de enfrente; a rua, a viva
floresta onde cada instante pode se jogar sobre mim como una magnólia, onde as
caras vão nascer quando as olhe, quando avance um pouco mais, quando com os
cotovelos e os cílios e as unhas me rompam minuciosamente contra a pasta do
tijolo de cristal, e me jogue na vida em quanto avanço passo a passo para ir a
comprar o jornal na esquina.”
Um prólogo que nos introduz, nos ambienta no que é
propriamente o livro... A partir de este convite temos os relatos: primeiro o ”Manual
de Instruções”, onde se reúnem uma serie de textos que envolvem imagens humorísticas,
pensamento; muitos deles estão escritos de forma lúdica onde se descrevem de
modo didático, diferentes tipos de ensinos: instruções para chorar, para ter
medo, para dar corda a um relógio ou preâmbulo às instruções para dar corda a
um relógio.
Destaco alguns trechos deste último: “Pensa nisto:
quando te dão de presente um relógio te oferecem um pequeno inferno florido,
uma corrente de rosas, uma prisão de ar... Te apresentam um pedaço frágil e
precário de você mesmo, algo teu mas que não é teu corpo, que tem que atar ao
teu corpo com sua corrente como um bracinho desesperado pendurando-se do teu pulso. Te dão a necessidade de lê dar corda, o medo perde-lo. Não te
oferecem de presente um relógio você é o presente para ele”.
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O segundo grupo de relatos se intitula: “Ocupações
raras”, começa com o relato “simulacros” nele podemos ler: “ Somos uma família
estranha. Em este pais onde as coisas se fazem por obrigação ou fanfarronaria”.
Os relatos falam sobre procedimentos sociais (como
se comportar em um velório), conselhos sobre a recuperação capilar...
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A terceira parte se chama “Material plástico”,
reúne breves relatos relacionados com o mundo laboral e atividades absurdas, como de cortar una pata a uma aranha
para enviá-la ao Ministro de Relaciones Exteriores , ou como o caso mágico de um
espelho situado na iIha de Páscoa, que, atrasa ou adianta no tempo a imagem de quem em ele se reflexa.
De esta seção do livro vou me deter em três textos
que me impressionaram:
Tema para una tapeçaria.
Aqui o jogo do desmanche
de um exercito que se passa de bando e a imagem de um general que com a
força única da sua presença neutraliza o
poder numérico, metáforas sobre a lealdade, imagens para serem contadas em um
tapume, mitos de guerreiros, desafios, ações que envolvem coragem, temores e
desafios.
Contos sem moral.
Uma narração completamente genial, absurda, típica do mundo de
sonhos das “mil e uma noites” na qual um homem vende gritos e palavras; vendia
pregões para ambulantes e palavras para as pessoas do povo até que teve a iniciativa de oferecer para
uma autoridade as últimas palavras , o tirano o colocou na cadeia , o vendedor
se lamentou argumentando que ele as precisaria para configurar seu destino
histórico retrospectivo.
O tirano comprou as ultimas palavras em quanto sofre uma
rebelião de seus secretários e oficiais, o matam de um tiro antes de poder
dizer as palavras, procuram ao vendedor para conhecer qual seria a última palavra
que falaria o tirano, mas como este não quer rebelar-la o matam a pontapés.
As ultimas palavras se tornam conhecidas e serviram como contra
senha para que o povo possa se comunicar e derrocar aos que tinham usurpado o
poder.O relato termina com a frase: os gritos ressoaram nas esquinas
Uma situação absurda que
desencadeia uma luta pelo poder, curiosa é a idéia de que alguém queira vender
algo como “as ultimas palavras” e raros são os argumentos que usa o homem para
convencer ao tirano a comprar-las, ele fala que o que ia a vender era o que ele
próprio iria falar, mas que pelo medo e as circunstancias do momento não
conseguiria pronunciar. Metáfora de uma espécie de cabala, de dizer sagrado que
carrega a idéia do fim e da liberdade.
A línea das mãos.
Uma línea imaginaria
percorre objetos dispares e termina em uma mão que empunha uma arma.
Cortazar costura com imagens
visuais uma linha fazendo nossa fantasia
voar por associações e caminhos borgeanos...enumera sucessões sem um elo aparente
e nos convida a participar de seu percurso imaginário.
“ De uma carta jogada na mesa sae uma linha que corre pela
prancha de pino e desce pelo pé da mesa....”.
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Historias de cronopios y de famas
Na última parte do libro encontramos as Historias de Cronopios e de Famas, Aqui,
Cortázar nos apresenta a t
rês tipos de personagens: os Cronopios (seres lúdicos
e criativos) , os Famas (os formais, moralistas)y os Esperanças (seres
oscilantes).
Cortazar conta como nascem os cronopios: “Eu estava em París em 1952 e
fui a um concerto a ver Stravinski. No intervalo todo o mundo saiu a tomar
café. Na minha frente apareceram personagens de cor verde, muito cômicos, muito
divertidos e muito amigos. Seu nome era cronopios e chegaram assim. Más tarde os
críticos tem procurado explicações…”
As vinte historias que compõem
esta última parte, podemos constatar uma explicita critica ao sistema; as formalidades, a
sociedade burguesa, a hipocrisia.
Os relatos são cheios
de imagens fecundas, fantásticas que estimulam a nossa ilusão.
Cito aqui o texto
chamado “Relógios”: Um Fama tem um relógio de parede e da corda nele todos os
dias, um cronopio pendura na parede uma alcachofra e vai retirando folhas no
sentido das agulhas até que fica o miúdo, o come e coloca um novo relógio alcachofra
no lugar.
Outro chamado “A
barata estreita”: Um homem ,sua mulher e
sua sogra bebem de um liquido chamado virtude e começam a enxergar com maior
lucidez o comportamento na sua volta.
Outro chamado “A foto
saiu movida” Um cronopio tenta encontrar
a chave no seu bolso e tira uma caixa de fósforos, este ato desencadeia
suposições infinitas do tipo e se em vez disso acontecesse aquilo outro?
Cito aqui um pequeno
relato que fecha o livro; As tartarugas e os cronopios , nele Cortazar mostra
as diferentes atitudes dos grupos protagonistas:
As tartarugas admiram a velocidade, as esperanças não se preocupa, os famas se
burlam e os cronopios desenham uma andorinha sobre seu casco.
Anotações.
Como diria Soledad Arrieta relatos que vão da ironia
até a cotidianidade.
Cortazar
parece se deixar levar por um impulso inventivo e assim da renda solta á sua
imaginação conseguindo em alguns textos
resultados inesperados próprios de sua vocação
poética de criador, textos frescos,
como improvisados, influencias de uma zona permissiva que o ao modo do conceito
de improviso no jazz.
Em alguns relatos o resultado parece oculto a nossa
razão, em outros o mecanismo disparado pela enxurrada de engenho provoca
conseqüências inesperadas que seriam difíceis de serem atingidas no decorrer de
um discurso na ordem do lineal.
Alguns críticos acharam algo “sem pé nem cabeça”,
outros como Luis Hars (um dos mais famosos e influentes cronistas da literatura
latino-americana) consideraram
uma obra menor, a poeta Alejandra Pizarnic aprovou a obra.
No artigo “ historias de cronopios e de famas, uma
guia para ler Cortazar” Paul W.
Bogerson fala que na realidade esta obra
é uma guia da realização de um individuo, uma mão simbólica, poética e metafísica.
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Final
O encontro com o simbólico e a quantidade de imagens oníricas
que deixa o impacto da leitura na nossa mente é inegável .
Imagens, criatividade. liberdade são as palavras que vem na
mina cabeça, similar ao que aconteceu com alguns discos de jazz onde a ousadia
era o valor o caminho que orientou a obra neste livro Cortazar nos convida a um
salto no abismo uma visita a conhecer
sua inspiração.
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