quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Borges fantástico


Tlön, Uqbar, Orbis Tertius.

Esse é o título de um conto fantástico do autor argentino Jorge Luis Borges.
Em apenas 12 páginas o autor consegue colocar  idéias e imagens que confirmam sua imaginação  genial.
É um relato, tipo diário,  escrito em primeira pessoa que narra o encontro com o planeta “Uqbar”, (“Tlön” é uma da suas regiões) e “Orbis Tertius” a edição de 40 volumes sobre este universo , daí o título.
Em relação aos nomes utilizados para o título : Uqbar é uma criação , existem interpretações que vem no nome Tlön uma referencia com Atlântida e Orbis Tertius significa “um outro lugar”, “terceiro mundo” ou “um planeta fora das opções conhecidas”. .
Um dos personagens do conto (Buckley)  sinaliza o caminho para decifrar o labirinto: “Quer demonstrar ao Deus inexistente que os homens mortais são capazes  de conceber um mundo”.
Com o relato Tlön, Uqbar, Orbis Tertius surpreendeu ,nos anos 40, a toda uma cidade portenha que nunca o esqueceu.

Sobre Borges.

Foi um dos mais importantes escritores do século XX. Tímido e irônico amou a literatura inglesa, o livro das mil e uma noites, o tango e ao Edgar Alan Poe por ele ter renovado, com a sua neurose, o conto fantástico, um dos seus gêneros literários preferidos.
Sua vida foi uma melancólica caminhada pelas ruas portenhas e pelos temas existenciais : “ Só uma coisa não há, é o olvido” diz Borges no poema Everness.
Ele foi um escritor pensador, Borges diz, por exemplo,  sobre o fato estético em 1950: “La música, los estados de la felicidad, la mitología, las caras trabajadas por el tiempo, ciertos crepúsculos y ciertos lugares, quieren decirnos algo, o algo dijeron que no hubiéramos debido perder, o están por decir algo; esta inminencia de una revelación, que no se produce, es, quizá, el hecho estético”. 

Sobre Tlön, Uqbar, Orbis Tertius.

Apareceu publicado pela primeira vez no jornal argentino Sur em 1940. O enredo principal do conto é o encontro com o além, a descrição desse outro mundo e a ingerência do mundo fictício na realidade.

A criatividade.

Borges cria um mundo, uma linguagem, poesias, visões, idéias e cria um pretexto (nos dos sentidos da palavra) para exercer a sua imaginação e ensaiar sobre teorias filosóficas que o influenciavam.
Para isso cria todo um universo, um mundo que se desfaz assim que a gente fechar a ultima pagina do curto relato.
Ainda assim por algum tempo ficamos pensando nos hrönir, no exemplo das moedas, nas visões do tempo e mais que nada na capacidade do autor de recriar uma historia inacreditável que ingressa no mundo da nossa imaginação. 

O relato.

Borges junto a seu amigo Bioy Casares assiste a cena de um espelho refletindo o volumem de uma enciclopédia,  Bioy Casares lembra uma frase que atribui a um habitante de Ugbar: “os espelhos e a cúpula são abomináveis por que multiplicam o numero dos homens”.
 Esta frase teria sido expressada numa enciclopédia num artigo sobre Uqbar. O estranho é que na enciclopédia a parte dedicada a Uqbar é omitida na edição presente na cena do espelho, mas é achada na edição que Bioy Casares encontra na sua casa um dia depois.  Assim começa este conto meio policial, meio fantástico e meio filosófico.

A forma e o conteúdo.

A história se divide em três momentos. Na primeira seção, o narrador (em primeira pessoa) e seu amigo e colaborador, Adolfo Bioy Casares, (amigo de Borges na vida real) protagonizam a cena do espelho e logo discutem um hipotético “romance em primeira pessoa, cujo narrador omitiria ou desfiguraria os fatos e se entregaria a várias contradições que permitiriam a alguns leitores - muito poucos leitores - perceber uma realidade atroz ou banal ”. 
A segunda seção descreve a descoberta , dois anos depois (em 1937), do décimo primeiro volume de A primeira enciclopédia de Tlön , deixada em um bar pelo um sombrio inglês, Herbert Ashe. A enciclopédia tem em sua primeira página um oval azul estampado inscrito "Orbis Tertius", e descreve um "vasto fragmento metódico de toda a história de um planeta desconhecido", suas línguas, filosofia, ciência, matemática e literatura. 
As pessoas desse planeta imaginário são “congenitamente idealistas” e não acreditam na existência material e objetiva de seus arredores. Eles acreditam apenas no que eles próprios percebem e, portanto, o “mundo para eles não é um concurso de objetos no espaço; é uma série heterogênea de atos independentes. É sucessivo e temporal, não espacial ”. Na linguagem, isso significa que não há substantivos para objetos concretos, apenas agregados de adjetivos que descrevem o momento imediato. Causa e efeito não se relacionam. Objetos são mantidos para desaparecer fisicamente introduzindo o  conceito de hrönir . Os Hrönir ,  são cópias imperfeitas de objetos que são formados quando um objeto é perdido (este tema lembra um pouco as teorias do seu amigo Macedonio Fernandez sobre os objetos esquecidos). 
O pós-escrito da história é datado de 1947 (o conto foi publicado em 1940) e analisa o início e o impacto subseqüente de Tlön. Ele explica que Tlön, Uqbar e Orbis Tertius foram a idéia de uma sociedade secreta de especialistas de uma ampla gama de disciplinas (incluindo Herbert Ashe), financiada pelo milionário Ezra Buckley., que convenceu a sociedade em 1824 a expandir seu objetivo de inventar um país para inventar um mundo. Borges observa várias "intrusões" de Tlön no mundo real, sendo a mais notável a descoberta em 1942 de um artefato de Tlön na mão de um moribundo no povoado  “Cuchilla Negra”; um pequeno cone de metal de material desconhecido que era inexplicavelmente pesado  . Borges acredita que a sociedade secreta, propagada através do tempo, orquestrou a descoberta de vários artefatos e documentos tlönianos, fazendo com que a realidade fosse tomada por Tlön. Quando o conto de Borges termina em 1947, Tlön "desintegrou este mundo. Encantada pelo rigor de Tlön, a humanidade esqueceu, e continua a esquecer, que é o rigor dos mestres de xadrez, não dos anjos".

 Parágrafos inesquecíveis.


Falando sobre a linguagem em Tlön: ”Abundam os objetos ideais, convocados e dissolvidos  em um momento, segundo as necessidades poéticas. Os determina, as vezes, a mera simultaneidade. Há objetos compostos de duas partes, um de caráter visual e outro auditivo: a cor do nascente e o remoto grito de um pássaro. Tem muitos: o sol e a água contra o peito do nadador, o copo rosa tremulo que se vê com os olhos fechados, a sensação de quem se deixa levar por um rio e também por um sonho”.
Sobre o tempo: “o presente é indefinido, o futuro tem realidade só como esperança presente, e o passado só tem realidade como lembrança presente”.
Esta afirmação nos indica uma citação do Russell de 1921 onde ele supõe que o planeta foi criado , faz poucos minutos, habitado por uma população que “lembra” um passado ilusório. 
Também algo interessante é que em Tlön se acredita que todas as obras são de um só autor que é atemporal e anônimo.  Isto torna desnecessário assinar a autoria e desfaz a idéia de plágio.
A frase mais conhecida do livro é seguramente: "os meta-físicos de Tlön não buscam a verdade nem sequer a verossimilhança: buscam o assombro. Julgam que a metafísica é uma rama da literatura fantástica". Esta ultima afirmação é um aforismo de autoria dos filósofos do circulo de Viena.

Final.

Este conto causou múltiplas interpretações e alimentou a imaginação pontual de uma Buenos Aires desprevenida que acorda numa manhã de 1940 com a irrupção de Tlön na vida corrente.  

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