Piazzolla
100 anos.
Piazzolla alem de ser um dos maiores músicos do século XX ele é um guerreiro. Astor representa para os músicos uma luta pela arte, uma luta por tentar desenvolver uma música contra a estreites dos gêneros musicais, as correntes comerciais e contra o conservadorismo.
Para
homenagear Piazzolla preferimos não entrar em anedotas particulares ou em
descrever sua vida pessoal, vamos falar então da sua musicalidade E de algumas
historias que ajudam a descrever sua personalidade e os retornos que ele
provocou.
Em outras
palavras para comemorar os 100 de Astor vamos falar sobre alguns temas que
estão relacionados diretamente com a sua arte e sua música. Aqui uma guia dos
pontos que vamos a desenvolver.
1)
Os ritmos que Piazzolla explora.
2) Os recursos musicais e as formas que
usa Piazzolla.
3) A relação com o Brasil
4)
A sua essência poética.
Os ritmos que Piazzolla usa.
O Tango
normalmente usa o compasso de 2/4 com um acento forte acento no primeiro tempo.
Piazzolla por momentos usa este recurso.
Escutamos
aqui o tango “La camorra 1”.
E a introdução de “Adios Nonino”.
Também por
momento ele inverte o acento do compasso apoiando o centro de gravidade no segundo
tempo se assemelhando ao comportamento do Samba, isto ocorre muitas poucas
vezes.
Escutamos o
tango “La Camorra 2” (minuto 23:46)
Aqui outro
exemplo desse comportamento na música “Cite Tango”.
Mas na realidade o ritmo que Piazzolla mais usa é uma
célula conhecida com 3/3/2. Esta célula está na origem do Tango com outro
andamento e outro colorido.
A origem se
chama milonga campera e Piazzolla até usa esta célula em músicas que evocam um
passado remoto do tango. Podemos conhecer este comportamento ouvindo Jacinto
Chiclana.
Piazzolla
usou esta célula muitíssima vezes em um andamento muito mais rápido e num
contexto de 4/4, este recurso lhe serviu para romper com os limites do compasso
2/4 normal.
Escutamos
este tipo de ritmo, que é muito normal na obra de Astor.
Piazzolla
usa o ritmo de ¾ de forma ocasional, aqui um trecho onde ele usa esse compasso.
Música “La Camorra 3”(minuto 26,20)
Y também usa
esse compasso , mas com sentido de valsa na primeira parte de balada para um
loco, aqui é mais usado ao serviço de um clima cênico .
Não sei se
de forma consciente, mas Piazzolla também usa células da tradição do Candomble
de Ketu como o Opanijé
Aqui um
exemplo
Também usou
, ao menos uma vez, o compasso de 7/8
Aqui na
música “Vayamos al diablo”.
A
instrumentação relacionada com o ritmo.
Como
instrumentação percussiva Piazzolla usa instrumentos da formação sinfônica como
tímpanos, vibrafone, marimba, sinos de tubo, etc seguindo a tradição de
comportamento destes instrumentos o percussionista Jose “Pepe” Corriale foi o
nome mais convocado nessa função.
Em um
determinado momento incorporou a bateria trazendo o sentido de levada na
direção da célula que mencionamos como 3/3/2.
Os
bateristas que Piazzolla mais tocou foram Enrique “Zurdo “ Roisner, Luis
Cerabolo e o baterista italiano Tulio De
Piscopo.
As ideias de Piazzolla em relação com a parte
rítmica conta com a incorporação de
efeitos e de timbres novos como o do güiro (reco-reco), este instrumento é
realmente um achado de Astor em relação com a instrumentação do tango novo
porque naturalmente é um instrumento da tradição da música latina.
Piazzolla
usa também muitos instrumentos percussivamente, ele explora timbres e cria situações
novas onde explora efeitos diferentes.
Os efeitos ocorrem no violino que ele chamou
de “tambor” e outro da “chicharra’ o primeiro é um efeito que tenta imitar o
som de uma caixa clara e que se consegue percutido com pizzicatos e abafando as
cordas ao mesmo tempo com a mão esquerda, e o da “chicharra”, o nome é esse
porque parece com o som da cigarra ou o de uma lixa, que se consegue esfregando
fortemente o arco, na parte do talão, nas cordas atrás do cavalete do violino .
Piazzolla usa muito o efeito produzido por um
longo glissando descendente que ele chamou de “látigo” (chicote) e sua variante
chamada de “perro” (cachorro) que esse glissando se interpreta com um som mais
curto efetuado no sentido ascendente.
Aqui um
exemplo onde aparece el latigo y em determinado momento como estes efeitos se
sucedem como se fosse uma percussão de pizzicatos.
Música
Pulsación n 2 e 3 especialmente a partir do minuto 12 34
Outros dois
recursos que Piazzolla inventou foi o de bater no corpo do bandoneon e provocar
um som de maderia tipo “Toc, toc” e na tampa do piano gerando um efeito similar.
Alem disso tem um efeito no qual ele quer provocar um som tipo bumbo de
bateria, para isso ele pede ao instrumentista bater nas costas e no corpo do
contrabaixo para criar um som de madeira grave e agudo para ser usado como
percussão ele chamou esse efeito de “trastiera”.
Aqui um
exemplo na introdução de “La muerte del Angel” como Piazzolla usa o recurso de
bater no bandoneon.
E aqui um
exemplo da música “Verano Porteño” para mostrar o efeito do contrabaixo usado
como percussão batendo nas costas do instrumento.
2) Os recursos
musicais e as formas que usa Piazzolla.
Para muitos
na Argentina Piazzolla extrapolou o limites do tango e por isso não é
considerado tango sua música , mas a relação de Piazzolla com o tango é muito
mais expressa e profunda do que alguns imaginam.
Falando
sobre os recursos que usa usa Piazzolla que estão relacionados com a tradição
do tango podemos citar dois: um é o que se chama “El arrastre” (arrastar uma
nota) tocar ela de forma que a interpretação mostre uma antecipação do ataque
de uma nota e o “fraseado” que normalmente não esta escrito e que está
relacionado com o “sotaque” com a forma interpretativa de uma frase musical.
Isto
colabora para criar o que na gíria do tango se chama de “la mugre”, a sujeira que tem que existir para que o tango
não fique descaracterizado.
O ostinato.
O uso do
ostinato em Piazzolla chega a ocupar um lugar temático como ocorre na música
“Esqualo” e em “Libertango” que a gente já citou
As Fugas.
O uso das
fugas também é algo recorrente em Astor , isso vem de seu convivência com a
música de Bach quando ele estudo com Bela Wilda, um pianista húngaro discípulo
de Sergei Rachmaninoff e depois quando estudou fugas a
quatro vozes com Nadia Bulanger em Paris.
Aqui dois
exemplos de fugas
O tema
“Fugata” e o tema “Fuga e Mistério” que faz parte da opera “Maria de Buenos
Aires”
A RELAÇÃO DE
PIAZZOLLA COM BRASIL.
Piazzolla
visitou muitas vezes o Brasil e teve relações estreitas com muitos músicos. O
público lê retribui essa paixão ouvindo suas interpretações e centos de grupos
de música interpretam suas composições homenageando sua obra.
Piazzolla
toca pela primeira vez no Rio com apenas 20 anos em turnê com a orquestra de
Troilo no radio Nacional.
Depois como
líder de seus projetos se apresenta inúmeras vezes no Brasil e trava parcerias
com músicos como Gismonti com o qual acaba desenvolvendo uma longa amizade.
Vou narrar
uma anedota que aconteceu com Vinicius em caño 14: certa noite de Buenos Aires,
Piazzolla se apresentava com seu quinteto num recital. Amelita Baltar cantava
que as canções que ele tinha escrito com Ferrer. De repente, depois dos
aplausos e rompendo um silêncio de missa que antecedia a próxima canção,
Piazzolla ouviu uma voz gritando em português: “Que maravilha! Filho da puta!
Filho da puta!”. E em seguida, de pé na frente do palco, o homem dos gritos
desandou a aplaudir. Piazzolla ficou pasmo, até perceber que o homem era
Vinicius de Moraes, que ele não conhecia pessoalmente. A amizade com o poeta
nunca mais parou.
Nos
primeiros anos da década de 70 Piazzolla pede para reunir a todos os músicos
importantes do Rio para um concerto dedicado a especialmente para a classe
musical.
Nessa
reunião, numa casa de Jazz “Number One” em Ipanema , na zona sul carioca,
estavam Tom Jobim, Nivaldo Ornelas, Chico Buarque, Milton Nacimento, Caetano
Veloso, Luizinho Eça, Leny Andrade, Egberto Gismonti, Edu Lobo, Dory Caymmi,
Dom Um Romão, Elis Regina e muitos dos músicos dedicados à música instrumental
do Rio, relatos de quem esteve presente afirmam como aquelas interpretações
intimas de músicas como “Milonga del Angel” ficaram na memória de todos eles
como algo realmente sublime.
Em 1973,
Piazzolla toca ao vivo na USP. Num belo momento, oferece uma composição sua aos
jovens criadores do Brasil, em especial Milton Nascimento, a quem dedicou o
tango: "Retrato de Milton"
Anos mais
tarde Piazzolla junto com o poeta Geraldinho Carneiro faz parceria em várias
obras e em 1975 lança um disco interpretado pelo Ney Matogrosso onde este canta
a composição “As Ilhas” da dupla Piazzolla e Carneiro.
Sua relação
com músicos brasileiros não acaba ai: Piazzolla escreve para dois violões uma
obra dedicada ao duo Assad (Sergio e Odair Assad) chamada “Tango Suite”.
Anos mais tarde toca no Maracazinho e realiza várias turnês pelo Brasil inclusive em 1986 Piazzolla toca ao vivo em um programa da emissora O Globo chamado “Chico e Caetano”.
Sua última
aparição no Rio foi em 1989 com um novo sexteto. Astor toca na Sala Cecilia
Meirelles, fazem parte do seu grupo o bandoneonista Daniel Binelli, o pianista
Gerardo Gandini e o guitarrista Horacio Malvicino . Dias depois reestreia a sua
opera “Maria de Buenos Aires” no Teatro Municipal do Rio .
Uma historia
que muitos poucos conhecem é que Piazzolla se consultava com um pai de Santo no
Rio, às vezes até viajava exclusivamente para fazer um encontro com ele. E que
fruto desses encontros surge o nome da música “Deus Xango” que Astor grava
junto a Gerry Mulligam no histórico disco Reunión Cumbre.
FOTOS
Na primeira
foto uma reunião intima em Buenos Aires onde podemos ver a Piazzolla e Horacio
Ferrer, (Fuente: GEMAA (Grupo de Estudios en Música y Artes Afrobrasileñas) /
Sergio Radoszynski RP Music) Na segunda junto a Chico, Nara Leão, Nana Caymmi,
Astor Piazzola e Amelita Baltar na casa do poeta Vinicius de Moraes (1973) |
foto ©Nelson Santos.
A estética
de Piazzolla.
A música de
Piazzolla conseguiu aquilo que todos os criadores perseguem, isto é uma desenvolver
uma assinatura, se parecer a si mesmo.
Muito se
fala sobre se a música de Piazzolla seria tango ou uma mistura entre música
popular , de concerto e de vanguarda como a que podemos escutar nas composições
de Ginastera, Béla Bartók, Villa Lobos ou Manuel de Falla. Isto é, uma música
que tem varias vertentes, mas que tem no
seu alicerce o espírito de algo essencial, neste caso do tango argentino, isto
muito a partir do bandoneon e da paisagem sonora que nos sugere.
Carlos Kuri, no seu livro “Piazzolla, la
música limite”, faz uma análise profunda da estética, do idiomatismo e da
construção do tango de vanguarda piazzollano e sugere que a sua música
ultrapassa os sentidos, vai além do racional, do emocional e diz que com seus
ritmos e dissonâncias atinge o corpo.
Andre
Marsili no seu livro “Reflexión sobre la autenticidad en el tango rioplatense”
nos convida a pensar na noção de autenticidade na obra de Astor, nos juízos de
tanguidade porque por momentos a obra de Piazzolla não foi reconhecida na
Argentina como tango, mas como música cidadã ou música contemporânea da cidade
de Buenos Aires.
Francisca
Rutigliano desde sua página “Estudos Heideggerianos” afirma que a Música, tanto
mais ela cala em palavras, mas ela fala em Tempo, mas o Tempo da Música de
Piazzolla é um Tempo que não acumula imagens propriamente, antes intensifica a
amplitude da dor por sobre toda e qualquer imagem eventual. Ele é o próprio
passado puro de Proust, sem as figuras particulares de madeleines enquanto
protagonistas; é dor pura, a mesma dor por sobre toda e qualquer figura que
possa vir à tona. Poder-se-ia dizer que nela, a dor é a única figura concreta,
pairando sobre tudo, sem se deter em nada — como azul do Céu.
Conclusões.
Com este
artigo pretendemos abrir um olhar para um Piazzolla renovador, um Piazzolla
lutador e um Piazzolla poético.
Sua música
realmente transcende os limites da música de concerto e da música popular, suas
sincopas criam um clima eletrizante e suas melodias leves desenham paisagens
melancólicas e sofridas.
Ao longo dos
anos a música de Astor vem ganhando cada dia mais e mais admiradores no mundo
todo, isto mostra como existe uma fatia da humanidade que não se importa se a
música dele é jazz, tango ou música clássica e que escuta as composições apenas
pela beleza e pelo sentimento que ela consegue passar.
Piazzolla
desde a cor obcura e trágica da sua música nos mostra que justamente o lugar da
arte é de transformar em belo todo o sofrimento humano.
Viva o
centenário de Astor!
Bibliografia.
“A abordagem das técnicas estendidas nas Quatro Estações Portenhas de Piazzolla: o regente como mediador do processo interpretativo MODALIDADE: COMUNICAÇÃO SUBÁREA” por Leandro Fernandes de Oliveira Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
“Introdução à música de Piazzolla” (teses de mestrado) por Ivan Jose Quintana.
Intertextualidad
en “la historia del tango” según Piazzolla por Omar Garcia Brunelli.
“Técnicas estendidas de música contemporânea” por Leandro Fernandez de Oliveira .Universidade Federal Rio Grande do Norte.
“Piazzolla,
la música limite” por Carlos Kuri.
“Reflexión
sobre la autenticidad en el tango rioplatense” por Andrea Marsili.
“O Tempo no
fundamento da interpretação que o Dasein faz do Mundo e de seu próprio
ser-no-mundo, visto na possibilidade concedida pela Música” por Francisca
Rutigliano.
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