quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Os possesos

Os possessos

Dostoievski escreve esta obra no final do século XIX , a obra se conhece também pelo nome de “os demônios” ou “os endemoniados” ...comento que a idéia de “os demônios” aqui não se refere ao diabo em sim , pensemos que pode ser interpretada como a representação  das forças destrutivas do mundo ocidental na Rússia.
O germe da historia foi um crime que se produziu em Moscou em 1869 e que causou uma forte impressão no autor, resulta que Serguei Nechávey, revolucionário, anarquista e niilista, foi o responsável do assassinato de Iván Ivanov, estudante e companheiro de célula revolucionaria, á que ambos pertenciam, por suspeitar que este fosse entregá-los.
O romance estabelece uma discussão com estes movimentos revolucionários e também com os niilistas personificados na figura do personagem de Piotr Verjovenski, inspirado no mencionado Necháyev,
Comento também que quando se menciona a palavra niilismo aqui não se poderia entender isto como falta de vontade ou descrença, ao contrario representa o racionalismo
hegeliano , ao mesmo tempo simboliza o que hoje se conhece como globalização e mais especificamente neste livro se associa as forças que propiciam á destruição das raízes ancestrais e da fé.
Em outras palavras, o autor rechaça o clichê das bandeiras francesas que querem banalizar a historia e enterrar ou etiquetar as possíveis possibilidades do homem em um slogan sem sentido, o autor afirma que o povo russo, com sua tradição, na deveria se desfazer nos modismos franceses e no ideal vazio de “igualdade, fraternidade e liberdade”.

O enredo.

Estamos frente a uma obra sinfônica... Uma obra onde aparecem duas historias paralelas e centos de personagens....O romance começa narrando a relação entre Varvara Petrovna Stavróguina (uma matrona endinheirada) e Stepán Trofímovich Verjovenski (um professor cheio de trejeitos afrancesados)....durante toda esta primeira parte temos toda uma descrição detalhada da vida na Rússia protagonizada por esta dupla até que aparecem na cena Nikolái Stavroguin (uma figura carismática , uma espécie de demônio personificado) y Piotr Verjovenski (um fanático deslumbrado por Stavroguin),
Estes dirigem uma célula de ativistas políticos que cometem atos terroristas para desestabilizar e tomar o poder na Russia....um dos membros se desentende com o líder e decidem matá-lo....Aqui termina a narrativa linear do romance e com esta morte o enredo se fecha.
Surge um epílogo, muda o narrador, começa-se a falar de algo que faz parte do passado.... No final do romance Stavroguin (o líder) visita a Tihon (uma espécie de sacerdote salomônico) e com ele tem uma longa confissão de onde surge uma cena aterrorizadora da qual vamos tratar mais na frente.
A trama inclui outros dois personagens muito interessantes, Kiríllov, um suicida ideológico que o autor usa para encarnar de modo irônico como o racionalismo extremo pode conduzir ao homem a cometer absurdos.
O personagem declara, por exemplo, que o medo é o que orienta ao homem neste mundo (medo da dor, da morte) e afirma que quem se desfazer desse medo (se matando, no caso) se libera e se transforma em deus.
 Kirilov influenciou fortemente ao Camus na hora de escrever o mito de Sísfido 
O último personagem central na dramaturgia é o Shatov, ele representa o bem. A bondade da alma humana em contraste com Stavroguin. Shatov é aquele que é assassinado suspeito de traição .
Shatov, como falamos, simboliza a verdade, as boas intenções o lugar do bem.

O Romance

 Estamos frente a uma tragédia, o romance transcorre de modo linear até que a morte do Shatov provoca uma débâcle gigantesca.
Na descrição dos ambientes, como sempre nos cenários criados pelo autor, subsolos obscuros onde moram pessoas doentias recriam um clima de obsessão e pesadelo.
Quando a gente se comunica com Dostoievski sabemos que ele com estes climas adentra no interior do ser humano....dentro mesmo da alma humana que como em todas suas obras estão povoadas de doenças e densidade, o clima fechado afirma o ofuscamento e de asfixia total pela que transcorrem o relato.
Como falamos, este drama, ou tragédia psicológica, tem como motivo subjacente a confrontação das idéias ocidentais e racionalistas contra a preservação da identidade russa e dos valores cristãos. Na boca dos personagens demonizados a frase “Proclamaremos a destruição. […] Se encrespará o mar, y se derrubará todo o falso tumulto. “E então pensaremos em  levantar o prédio de pedra.”
Por momentos o romance parece panfletário e Dostoievski aproveita este recurso para mostrar com total atualidade como se sustentam as teorias do poder, o personagem Shigaliov chega a conclusão de que para que um 10% da humanidade possa manter sues privilégios o 90% restante tem que viver numa sorte de escravatura
Da boca de Shatov é que percebemos a um contraponto romântico e idealista que conhece a realidade Russa e que discute a parte política do romance.
Paralelos com a obra de Dostoievski
Existem idéias que permeiam o mundo dos romances do autor, em “Memórias do subsolo” e no romance “O idiota” existem alguns precedentes do discurso de Kirilov.
No caso de “Memórias” um homem que se pensa assim mesmo como ruim e doente (isto parece ser uma escolha) e no caso do Príncipe Myshkin do “Idiota” como um segundo caso de extrema vontade que por excesso de lucidez, como no caso de Kirilov perde de vista a força vital.
As questões existenciais presentes nestes pensamentos elevam a obra de
Dostoievski e o colocam como referencia para autores ligados ao psicanálises e ao fazer filosófico.
Minha impressão
Existe um filme dedicado a este livro dirigido por  Andrzej Wajda , um filme magnífico onde a historia se condensa e de algum modo ganha uma síntese.
O final é diferente e pode ser considerado como o que o diretor achou central no romance de Dostoievski....o personagem de Stepán Trofímovich Verjovenski moribundo reflete sobre uma passagem da Bíblia onde se descreve como os demônios pedem para Jesus saírem do corpo de uma pessoa doente e entrarem no corpo de uns porcos...no filme o personagem de Stepán, morrendo, escuta gritos de porcos lembra da passagem bíblica e diz....”Estamos possessos, (somos os demônios) mais o doente (a Russia) será curada”.
No livro o final tem uma cena maravilhosa onde o mal e o bem se enfrentam....como citamos....  Stavroguin (o líder) visita a Tihon (uma espécie de sacerdote salomônico) e com ele tem uma longa confissão de onde surge uma cena  aterrorizadora.
Esta cena tem uma imagem incrível.....uma cena que deveria ficar na historia e que foi desvalorizada em todas as publicações que li.
Resulta que Stavroguin tentando se afastar da cena do crime aluga um quarto numa cidade próxima e fica hospedado na casa de uma senhora que tinha uma filha de 9 anos.
De repente, se extravia seu canivete e a dona do lugar decide dar uma surra na sua filha,  suspeitando que a filha foi responsável pelo extravio do objeto.
O caso é que a surra foi muito brutal e machucou a garota.... Numa cena seguinte a garota se insinua ao Stavroguin e beija ele...uma garota de 9 anos..... a garota depois disso começou a adoecer por conta da sua falta de alimentação e acaba morrendo, dias antes de morrer ela aparece na frente dele e ameaça com o punho em alto....ele sai da casa...tudo tinha começado com a historia do canivete e terminou com a morte da garota diz a mãe dela na despedida.
Stravroguin se confessa  com o sacerdote e diz que aquela cena da garota ameaçando ele o persegue ....os dois estabelecem um duelo de razões e argumentos e o livro termina nesse dueto apoteótico como um grande finale.
O livro é realmente algo que merece todas nossas honras....pelo conceito artístico de como conduzir os diálogos, os personagens, o ritmo narrativo, as idéias....estamos frente a algo importante.....