quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Historias da China antiga.

A fábula do pintor.


Uma das lendas mais inspiradoras que conheci nos remete a uma fábula chinesa, nela se narra uma cena na qual um imperador encarrega um desenho a um artista; este demora demais em entregar o pedido e a partir de este quadro se abrem vários finais possíveis, todos eles interessantes.
Primeira historia. A fabula de JI-HÂOKÁN (o galo perfeito).
Na antigüidade -gudai dizem os chineses- no grande Zuongguó dominava um severo imperador  pudendo decidir até sobre a vida e a morte de seus súbditos.
Um dia escutou cantar um galo esplendido;  andou chamar a zhuö huàjiä (o pintor), o artista mais renomado do império ordenando  que  pintara um galo perfeito.
O pintor aceitou o pedido e assim dedicou-se todos os dias realizando numerosas probas pintando galos, mas sem nunca entregar o pedido.
Passou muito tempo e o imperador foi em busca da obra disposto a decapitar-lo a causa da demora no cumprimento da sua ordem.
O pintor tomou os pincéis e um instante pintou um magnífico galho de muitas cores.
O imperador perguntou: Por que tinha demorado tanto em cumprir sua ordem quando em questão de segundos tinha pintado aquela maravilha?
O pintor, simplesmente lê explicou: majestade, em todo este tempo só fiz repetir milhares de vezes esse exercício até conseguir pintar-lo a perfeição em um instante.
O ensinamento da fabula esta dirigido para ressaltar o proveitoso que resulta o estudo metódico e como um artista na realidade ocupa muitas horas para se preparar para realizar uma obra apenas em alguns instantes.

Segunda historia.  A fábula dos dragões.

Encontrada na publicação “Contos dos sábios taoistas”, recopilados por Pascal Fauliot ;  temos esta outra versão da mesma narrativa.
Um imperador quer uma pintura do melhor artista de seu Império e lhe exige representar um dragão azul e outro amarelo, símbolos das duas energias primordiais cuja união engendra a harmonia celeste.
O pintor pede tempo, alimentos e riquezas e se retira a sua caverna na montanha.
Depois de um ano, o imperador, impaciente, cobra dele resultado. O pintor pede mais tempo, mais alimentos e mais riquezas.
Aos três anos, o pintor regressa a corte e entrega a pintura. Quando o imperador olha a tela e vê apenas duas  linhas em azul e amarelo que se cruzam, encarcera ao artista.
O imperador se retira descansar, mas, no meio da noite, uns rugidos acordaram ao dono da China. Este girou em direção a imagem e extasiado viu que a pintura estava totalmente iluminada por um claro de lua, acreditou ver dos raios, semelhantes aos dragões, um azul e outro amarelo que se enfrentavam, se entrelaçavam se misturando.
O imperador pede explicações ao pintor e este o conduz até sua caverna. Ai, sobre as paredes, perto da entrada, estavam pintados uns dragões azuis e amarelos como os que o imperador tanto tinha esperado, com detalhes mais realistas, com brilhos resplandecentes, com as garras afiadas, os olhares fumegantes… Mas na medida que a tocha se adentrava na obscuridade, despertava imagens cada vez mais enxutas até converter em simples linhas de força. No final ficou a essência vibrante dos dragões, as energias primordiais representadas com os mesmos traços coloridos que os pintados na tela.
Acaba o conto com a emoção do imperador ao perceber a beleza da síntese por trás das linhas que o pintor tinha desenhado.

Terceira historia. A fábula do caranguejo. 

Esta versão foi divulgada pelo Jorge Luis Borges. O Imperador encarrega a um grande artista para pintar um caranguejo. O pintor se instala num pavilhão do palácio com todas as comodidades e um serviço de vinte donzelas durante cinco anos.
Quando o imperador lhe reclama sua pintura, o pintor fala sobre a complexidade das formas, a dificuldade para escolher entre as diferentes pinças que existem e o trabalho que encontrou para achar as cores diversas que se encontram no corpo crustáceo; pede outros cinco anos e outras vinte donzelas.
Aos cinco anos, o imperador volta a reclamar sua pintura. O artista pede novo prazo e o imperador se sentindo ludibriado o manda prender. 
A historia abre as portas para possíveis finais; será que o imperador encontraria milhares de rascunhos e o que acontecia na realidade era que o pintor não se sentia satisfeito ainda com nenhum desenho ou o imperador não encontraria nenhuma proba de esforço e confirmaria assim a desconfiança de se sentir enganado? 

Final .

para esta historia simpática cheia de desdobramentos.









segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Joseph Conrand

Nasceu na Ucrânia (na época fazia parte da Polônia) no século XIX, mas desenvolveu sua trajetória literária escrevendo em inglês.
Foi considerado um escritor sombrio e trágico. Ele refuta: "Essa reputação me privou de inumeráveis leitores. Me oponho absolutamente a ser chamado de trágico".
 Joseph Conrad começou a escrever ficção aos 45 anos; abandonou a navegação para mergulhar na literatura, seu estilo esta carregado de paciência e elegância.

Os contos.

Falaremos de dois de seus principais relatos: Heart of Darkness (O coração das trevas -1902) e The Rove (O pirata ou também Com a corda no pescoço-1923).

O coração das Trevas.

Este livro nos lembra aquelas narrações onde praticamente não há ação e sim todo um jogo de sensações que movimentam a obra.
O impulso por conhecer a Kurtz leva ao capitão Marlow ,  o protagonista, a se internar no meio de um labirinto de selva e rios, esta busca cheia de historias e expectativas ocupam o primeiro terço do conto.
Acontece o encontro e o desenlace do enigma em um clima ameaçador e ambíguo, aparece aqui a imagem da máscara: "a floresta permanecia inamovível, como uma máscara pesada, como a porta fechada de uma prisão".
O ambiente absurdo se instala desde a primeira pagina quando o protagonista fica preso na costa africana por conta de um problema na sua embarcação.
No fim a frase derradeira de Kurtz: “Quero...algo...algo...para poder viver” não revelam muito mas nos dá a perspectiva de uma busca, de um algo por trás.
Borges no prólogo da edição argentina compara a atmosfera do conto com o inferno de Dante, e revela que o escritor Joseph Conrand tinha realizado uma viagem em 1899 remontando o Congo ; três anos depois o autor publica o que seria para Borges : ”acaso o mais intenso dos relatos que a imaginação humana tenha conseguido  produzir”.
A paisagem fala por si mesma: “Do outro lado a selva se erguia espectral a luz da lua... e a través do incerto movimento, a través dos débeis ruídos, o silencio da terra se introduzia no coração de todos... seu mistério, sua grandeza, a assombrosa realidade da sua vida oculta”.
Conrad descreve Kurtz como uma espécie de rei em terras inóspitas rodeado de marfim, de cabeças de “rebeldes” ressecadas, cravadas em postes na porta da sua morada; nos conta que com uma voz eloqüente Kurtz discorria sobre temas como a liberdade, o bem e o mal.
O conto ficou famoso por ter inspirado o filme “Apocalypse Now” de Francis Ford Coppola.

Com a corda no pescoço.



“Com a corda no pescoço” narra à última face da historia de um capitão da marinha mercante, o capitão Whalley, que, velho e sem recursos, recebe una carta da sua filha desde o estrangeiro pedindo algo de dinheiro para sobreviver.
Este homem reto, sábio e digno, tenta corresponder ao pedido; Conrand descreve a relação da filha com o pai numa cena poética, o pai a chamava Ivy (trepadeira em inglês) : ”A filha tinha-se aderido estreitamente ao seu coração e ele esperava que sempre se aderisse a ele como a uma torre de fortaleza”.
O protagonista chega a um momento da sua vida no qual sua própria existência o está vencendo, ele é o último exemplar de uma raça em extinção, um capitão erguido, um homem vestido de linho branco, que fumava bom tabaco; um homem de verdade que aos sessenta e cinco anos se arruína e como ultimo gesto de dignidade reúne suas economias para enviar-las a sua filha.
O titulo: “com a corda no pescoço” nos remete a uma luta interior, a um dilema; a certeza de um ciclo da vida que acaba e ao mesmo tempo um percurso que por si só não conclui. A decisão de interromper sua vida e se deixar afundar no barco, guarda um pouco de gesto heróico e de integridade.
Joseph Conrand  incorpora na trama personagens secundários que faziam parte da população marítima como a Stern e ao próprio mar que com diferentes descrições acaba dotado de certas qualidades animistas.
 O autor descreve o Stern neste trecho: “No piscar rápido e continuo de seus olhos existia uma sorte de burla, como se ele soubesse o segredo de um chiste universal que colocava ao mundo em ridículo e que só ele possuísse”.
Conrand nos fala do mar como uma força brutal por trás de uma aparente calma: “Uma ligeira brisa bastava para arrancar do mar sua máscara serena”.

Final.

São dois contos magníficos que merecem muitas leituras e releituras, assim como algumas das coisas mais fascinantes da vida não se revelam no primeiro olhar, Joseph Conrand nos convida a nos deter no seu pincel, na suas nuances; quando apreciamos sua obra temos certeza de estar frente a um grande artista.