sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Thomas Mann “As cabeças Trocadas”.


Thomas Mann “As cabeças Trocadas”.


“As cabeças Trocadas” é um conto curto de Thomas Mann narrado nos moldes de uma lenda indiana, escrito em forma de narração oral. É uma historia fantástica onde o autor reflete sobre a amizade, a beleza física, o divino e sobre a dicotomia corpo e alma.
Thomas Mann.
Ele é um autor delicado que mergulha no interior dos personagens, no caso, neste breve relato temos um triangulo amoroso com um desfecho trágico.
Um texto raro de Thomas Mann (1875-1955) , diferente do “Doutor Fausto” que relata a historia do compositor alemão Adrian Leverkühn,  distante também de “Morte em Veneza” , a historia de um amor proibido que inspirou o filme de Luchino Visconti, ou também longe do romance autobiográfico que narra a zaga de uma família: “Os Buddenbrooks”.

O roteiro.


Temos três protagonistas: a bela Sita, o rude Nanda e o refinado Shridaman . Por circunstancias sobre naturais o corpo hercúleo de Nanda se junta com a cabeça de Chidaman e vice-versa.
O conto nos abre a interrogação da supremacia da matéria, da carne , da beleza física em contraposição com o valor da alma e do espírito humano.

A tradição védica.

Existe uma discussão interessante entre o bruto Nanda e o culto Shridaman que envolve afirmações do pensamento védico: Estavam os dois amigos deitados num lugar confortável e Nanda diz como o Nirvana mostra sua quietude acolhedora.
Shridaman  o repreende argumentando que toda essa sensação de paz não passa de ilusão e que existe um turbilhão por trás de esta quietude. Que essa Maya (ilusão) o impede de ver de verdade.
Shridaman exemplifica: <Estes pássaros trocam arrulhos somente porque querem fazer amor; estas abelhas e libélulas, estes besouros agitam-se, impelidos pela fome; da relva ressoam secretos rumores de milhares de formas de luta pela vida, e estes cipós, que tão graciosamente cingem as árvores, desejam apenas asfixiá-las para tirar-lhes sumo e fôlego, no único intuito de cevar-se e engordar. Eis o verdadeiro conhecimento do ser. — Não o ignoro — disse Shridaman —, e não me iludo a esse respeito, ou pelo menos só por um momento e de propósito. Pois, além da verdade da razão e de seu conhecimento, existe ainda a simbólica intuição do coração humano, que sabe ler a escrita dos fenômenos não apenas no seu sentido primário, prosaico, mas também segundo seu significado secundário, superior, e a aproveita como recurso para atingir a contemplação do puro e do espiritual. Como queres alcançar a percepção da paz e experimentar a fortuna da imobilidade, sem que, para tanto, uma imagem Maya te ofereça os meios, ainda que tal imagem em si não seja de modo algum fortuna e paz? Aos homens foi dado e concedido que possam servir-se da realidade para vislumbrarem a verdade. Para denominar esse fato e essa licença, a língua criou a palavra “poesia”>.

Inspirado no pensamento dos Vedas, em outro momento diz Thomas Mann:
“a encarnação cria isolamento,
o isolamento cria diferença,
a diferença cria comparação,
a comparação cria inquietude,
a inquietude cria assombro
o assombro cria admiração
e a admiração cria desejo de intercambio e união.
Etad vai tad." (isto é –certamente- aquilo).


Alexandre Pandolfo no artigo: Subjetividade, dilaceramento e narratividade: um ensaio sobre as cabeças trocadas diz: o que se dá sob a rubrica do conhecimento védico, segundo o qual à alma espiritual se opõe ao corpo como uma vestimenta que jamais se identifica com a identidade de si”.

O divino.


O conto faz da beleza de Sita algo sublime , a narração fala sempre da “Maya” (ilusão).  A descrição do banho de Sita parece justamente com a contemplação de uma miragem ou de cena divina.
Em outra circunstancia a deusa  Durgâ-Devi, a própria mãe do mundo, aparece em cena para intermediar sobre a restauração da vida dos amigos Nanda e Shridaman .
O conto se comporta como uma fabula onde o material e o divino se entrelaçam no mesmo universo real.

Final.

A parte mais marcante da historia é a troca das cabeças dos dois jovens apaixonados por uma mesma garota. Cria-se , a partir das trocas, uma síntese ideal já que ela admira um e deseja ao outro. Esta saída porem não decidira o problema, e a morte acabará por resolver o final do triangulo amoroso. Um belo livro inspirado na sabedoria dos Vedas.