quinta-feira, 2 de maio de 2019

Sobre a obra de Tanizaki.



Hoje vamos falar sobre dois livros que se debruçam em dois momentos da essência humana: o amor e a perda. Da obra de Tanizaki : “A gata, um homem e duas mulheres” e “o cortador de Juncos”.



O autor.

Tanisaki . Jun’ichiro Tanizaki nasceu em Tóquio, em 1886; morreu em 1965. Estudou literatura japonesa na Universidade Imperial de Tóquio.
Tanizaki no clássico da literatura japonesa: O Conto de Genji,  escreveu sua obra mais relevante: As irmãs Makioka.
 Também escreveu ensaios como "Elogio das sombras" e traduziu para o japonês autores ocidentais, como Stendhal e Oscar Wilde.
O caráter anti-moralista das relações humanas nortearia toda a carreira de Tanizaki, muito provavelmente por sua formação budista que, diferente da cultura cristã, olha desde outro lugar a noção de pecado.

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“A gata, um homem e duas mulheres” .

Poucas narrações têm como protagonista um felino e poucos autores escrevem com tanta aptidão sobre o mundo interior dos animais e dois humanos.
Quem já conviveu com gatos pode se identificar com facilidade com o comportamento da gata Lily e do Shozo seu amo.
Quem se aproxima do relato pode ficar maravilhado ao constatar a sabedoria do Tanizaki , que na época (em 1909), com apenas  23 anos de idade,  conseguia produzir um texto com tanta lucidez em matéria de franqueza e contato apropriado com o mundo interior dos personagens.

O argumento.

Um homem mora com sua mãe, uma gata e sua parceira. A ex mulher tenta manter o elo com o seu ex marido retendo a guarda da gata para si.  Criam-se triângulos entre os dois casais e a gata perturbando o sossego do protagonista que morre de amores pelo felino.

Os recursos literários.

O conto começa com uma carta de Shinako ex mulher de Shozo para sua atual mulher Fufuko pedindo ficar com Lily (a gata).
A narração se desenvolve em nove capítulos e o narrador onisciente se altera com diálogos entre os personagens e reflexões interiores escritas em letra itálica.

A critica das criticas.

Quando escrevo estas resenhas tenho por costume consultar as críticas que fazem do livro em questão. Neste caso a única que achei própria foi o do Elias Fajardo publicado no caderno de cultura do jornal O Globo que entende que o livro transita entre a beleza e a melancolia 
Publicada no portal “Escotilha” Marilia Kubota, erroneamente, destaca o erotismo, a possessão, a perversidade; sugerindo até uma relação sexual entre a gata e seu amo.
Na Amazon quem comenta (sem identificação) afirma de modo vulgar: “três fêmeas pela posse deste homem fraco“.
Na edição brasileira erroneamente se comenta, na orelha do livro, que o autor recorre à imagem do felino como uma metáfora das falências das relações humanas.
Na realidade trata-se de uma relação verdadeira entre um homem e uma gata , aqui um relato que comprova esta perspectiva: “Shozo pensava que, por mais inteligente que a gata fosse, não passava de um animal, e se perguntava como –apesar disso- ela conseguia ter um olhar tão expressivo. Estaria de fato pensando em coisas tristes?”.
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 O cortador de juncos.

O título remete à ideia de pobreza, de extrema pobreza (o termo do cortador de juncos é homônimo de desgraçado).
No começo do livro um poema de Yamato Monogatari coloca a questão do amor e sua relação com a realidade social.
O Poema: “Intentei viver como cortador de juncos, mas sem você a vida na baia de Naniwa se tornou o maior fardo”.
No caso, o poema trata sobre a relação de um casal que por conta da situação econômica  precária decidem se separar no intuito de procurarem saídas para seus destinos. Ela consegue casar com um nobre , mas ele não alcança mudar sua situação. Ele encontra ela , mas envergonhado se oculta. No poema o homem descreve a situação de desespero material e nos confessa  como sofre ainda mais por conta da sua separação. 

Argumento.


O protagonista  decide fazer um passeio , visita templos, rios até se  deter para observar a lua num descanso da viagem.  Em este momento do relato o narrador encontra um segundo personagem, que conta a história de sua família. Seu pai, Serihashi, apaixonou-se na juventude por uma jovem de beleza única, Oyu. Ela casou com um nobre e teve um filho com seu cônjuge, o marido morreu, mas a jovem é mantida pela família do esposo falecido. Para conservar os seus privilégios, Oyu não pode se casar. Para ficar junto de sua amada, Serihashi assiste Oyu realizar apresentações musicais e casa com Oshizu uma das irmãs de Oyu.
Oshizu, por sua vez, casa-se apenas para ser leal a Oyu e não pretende consumar a união. Com o tempo, aumentam as fofocas sobre a paixão de Serihashi pela cunhada. O desfecho do triângulo amoroso acaba com Oyu voltando a contrair novo matrimonio com um homem para o qual ela não passava de um enfeite e a consumação do matrimonio de Serihashi com Oshizu
Ficam no ar as belas imagens de Oyu tocando Koto (instrumento japonês) nas festas do luar fazendo suas camareiras realizem danças.

O relato.


O autor realiza muitas referencias à tradição literária  na primeira parte do relato e ao teatro Nô (no sentido de contar uma historia dentro de outra) na segunda parte da historia.
Vamos citar uma situação que ocorre quando o protagonista escuta o canto típico do teatro Nô por parte do homem que narra a historia  de Oyu: “Sua cantoria me soou ofegante e sofrida. Além disso, ele não tinha algo que pudesse considerar uma bela voz, e seu volumem era baixo; mas a música  continha uma simplicidade rústica e elegante e era cantada com bastante técnica. De todo modo, levam-se anos para que um estilo de canto do Nô se consolide propriamente .”
Outra historia paralela interessante envolve um grupo de prostitutas e aparece nas notas de rodapé  :Numa das historias envolve um monge que fica admirado quando uma prostituta responde com um poema; o segundo exemplo um outro monge sonha que uma outra prostituta é a reencarnação de Fugen, tendo confirmada sua visão quando ele a visita e presencia sua ascensão aos céus, montada num elefante branco. 

Desdobramentos no cinema.


O grande diretor Kenji Mizoguchi filmou em 1951 uma adaptação do conto. Aqui algumas cenas do renomado filme “La señorita Oyu”.

Final.

Os dois textos são belíssimos e contem toda a elegância e a discrição da essência do ser japonês.
As relações humanas costuradas nos dois relatos expõem a complexidade das circunstancias que intervém na direção da realização amorosa do homem.