quarta-feira, 20 de maio de 2015

As aventuras de Tom Sawyer ( uma volta ao passado)

Tom Sawyer

É muito difícil escrever literatura realista se situando no mundo dos pré-adolescentes, quase sempre os adultos que se apropriam de esse universo para seus relatos não conseguem realizar-lo porque são muito didáticos, moralistas ou artificiais.
Poucos, se animam, se encorajam a se adentrar nesse mundo e se saírem vitoriosos, me vem a memória a “Ilha do tesouro” de Stevensom ou alugumas das novelas de Charles Dickens e textos de Oscar Wilde como um exemplo de narrações bem sucedidas neste sentido e é claro esta que hoje vamos a comentar que é “ As Aventuras de tom Sawyer” de Mark Twain .
“Alice no país das maravilhas” de Lewis Carol  ou “Pinóquio” de  Carlo Callodi poderiam ser incluídas como parte desta literatura juvenil mais considero estas duas como dentro de um realismo fantástico.
As outras experiências tipo “Peter Pan” ou as fábulas de Esopo ou as narrações dos irmãos Grimm ou Hienekke Rapoza do Goethe, por exemplo, embora belíssimas, não podem se comparar com o texto do Mark Twain por se tratarem de obras baseadas em historias
folclóricas ou  fábulas de tom didático mais não dedicadas as crianças.
"Existem contos dentro das "Mil e uma noites" e dentro do Decamerão que também poderiam ser incluídas dentro desta linhagem de narrações lendárias ou mitos.  
O valor do MarkTwain é ter dado ao ambiente narrativo uma literatura não apenas fotográfica mais também uma conotação cálida e uma verossimilhança encantadora.

Os méritos do romance.

Primeiro introduzir uma lucidez nos personagens e no narrador, a maioria dos textos destinados ao público pré-adolescente é careta, formal, falam de modo artificial e moralista.
Por exemplo, os personagens embora muito jovens sentem tédio, vazio, solidão, angustia, ciúmes, cobiça, raiva, em fim, sentimentos que quase nunca são atribuídos a eles quando se descreve um personagem assim.
Segundo o humor inteligente, a cena do Tom enganando aos seus amigos para induzir-los a pintar a cerca de sua casa enquanto que ele fica olhando e ainda cobrando recompensas é ilharia.
O desinteresse material na atitude de alguns dos personagens, o co-protagonista Huck Finn, por exemplo, no final do romance , mesmo sendo ele mendigo, rechaça o conforto e o cuidado de uma anciã que se propõe adotá-lo para continuar a viver sua vida sem horários, sem regras e sem medidas.
As reflexões do narrador: “Descobrira- uma grande lei que aciona o mundo- sem o saber que o homem possa cobiçar uma coisa basta tornar essa coisa difícil de obter”.
O próprio autor se coloca como filósofo e afirma a seguir que “Trabalho consiste em tudo o que a gente é “obrigado” a fazer e Divertimento  é tudo aquilo que a gente não é obrigado a fazer.
Isso ajudaria a compreender porque fazer flores artificiais ou  dar volta ao muinho é trabalho em quanto que jogar golfe ou escalar o monte Branco é prazer”.

Sinopse

O romance se divide formalmente em capítulos mais na realidade em quadros, temos o quadro no qual ele pinta a cerca que comentamos, a relação dele com sua tia Polly , o noivado  de Tom com Becky Tatcher , o quadro na igreja quando ele finge conhecer mais de 200 trechos bíblicos, a cena do assassinato no cemitério,  a historia deles se pensando piratas , a historia do tesouro, a cena de Tom e Becky perdidos na caverna e outras pequenas cenas hilárias que fazem o roteiro sempre interessante e dinâmico.

Criticas

Muitas vezes o protagonista se coloca do lado certo defendendo princípios morais, por exemplo, Tom, em um gesto “nobre” (coloco entre aspas porque ele, na realidade, faz isso para ganhar o amor da Becky) sai em defesa da sua amada quando ela esta sendo acusada na aula por ter faltado o respeito com o professor, ele para protegê-la  assume um delito que não fez e recebe a palmatória no lugar dela,  ou quando ele se sensibiliza com uma acusação falsa  de homicídio e decide defender a uma pessoa inocente durante um julgamento.
Mais, temos algumas passagens onde o autor mostra seu preconceito racial, em determinado momento  do romance aparece esta fala: “ Tom ele é um negro muito bom as vezes me sinto a comer com ele! Mais não deves falar isso (responde Tom). Quando a  gente esta morto de fome, é forçado a fazer coisas que não faria em estado normal”.
Sei que no sul dos EE.UU naquela época  ( a obra foi publicada em 1876)é até no faz muito tempo era normal ter essa visão das coisas, agora é uma pena que o Mark Twain seja pego em um mancada dessas, paciência.
 Humor

Existem vários tipos de humor na obra, um mais infantil, tipo "os três patetas, Chaplin, o gordo e o magro"  que se produz quando o Tom se vinga do seu irmão alcaguete por exemplo e outro mais irônico e mais adulto.
Vou comentar um caso muito ingenioso que o Mark Twain coloca com muita perspicácia, em um determinado momento o autor ridiculiza o tom solene das redações dos estudantes da época.
Isto é algo delicado porque ele tem que escrever de modo "errado", para poder dar o efeito de uma literatura de segunda qualidade.
"Negra e tempestuosa era a noite. Nos céus lá em cima nem uma estrela brilhava...termina com a frase...Minha amiga, minha alegria na dor, veio para meu lado".
Ele ri do tom de sermão de certa "literatura" metida a exemplar e mostra toda seu sentido do humor delicado com uma sutileza de mestre..


Minha experiência com a obra.

Conheci pessoalmente o Missisipi , fui a New Orleans e vi com meus próprios olhos aquelas construções de origem  francês e holandês, tive contato com aquela paisagem e fico me imaginado , quando pego o livro, como devia ser o mundo naquela vila que descreve o Mark Tawin nos fines do século XIX.
Cortázar no conto "O Perseguidor " fala que uma roupa existe não quando esta guardada mais quando a gente veste ela, Borges fala que o livro cobra vida quando a gente o lê, eu abri este livro quando era adolescente e o reabri agora, de algum modo ele cobrou vida para mim depois de quarenta anos de espera.  Conheci o romance quando estudava na escola de padres salesianos Don Bosco, na Argentina, não consigo entender como a igreja deixou passar esse texto que em alguns passagens ridiculariza aos padres, aos métodos de premiação da evangelização mais tudo bem, na realidade quem lia a narração era um maestro laico que tínhamos no final do primeiro grau (ano 1973 , eu com 12 anos) chamado Luis Carlos Molievi (acredito) .
Ele todos os dias lia trechos e nos encantava com as aventuras do Tom, claro que a gente tinha uma visão um pouco limitada para olhar para aquilo porque o Mark Twain tem muitas sutilezas e entre linhas que nos escapavam.
Num determinado momento do texto por exemplo o autor comenta, como já falei: “Descobrira- uma grande lei que aciona o mundo- sem o saber que o homem possa  cobiçar  uma coisa basta tornar essa coisa difícil de obter”.
Como um garoto, embora pudesse ser conduzido, teria como decifrar tudo o que implica aquela frase com 12 anos?


Cinema

O livro inspirou muitos filmes, quadrinhos mais para mitos o filme de 1938 dirigido por
Norman Taurog  foi o que melhor colocou nas telas o romance.
O filme é leve e bonito, tem grandes atuações mais peca por introduzir cenas, cortar outras e colocar personagens e falar inexistentes no original.

Final

No começo do livro, na dedicatória o Mark Twain publica: “A pesar de que o destino deste livro seja a passatempo de jovens, espero que não o depreciem os adultos, já que em parte está composto com a idéia de despertar lembranças do passado e expor como eles pensavam , sentiam e falavam e em que raras empresas se embarcavam."
O Mark Twain conseguiu seu propósito, claro que o livro nos atinge e na medida em que o lemos voltamos as juras de amor, as mandingas, aos planos majestosos, aos segredos com os amigos, as fugidas de casa e a todo um mundo que se reaviva em cada página, recomendo este romance para iniciar a um pré-adolescente no delicioso caminho da literatura.