quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

“O apanhador no campo de centeio”

Salinger

“O apanhador no campo de centeio”

A primeira coisa que nos chama a atenção quando começamos a ler o romance é como o narrador nos convida a entrar na sua mente e colocar-nos na cena, nos seus gestos,  como que nos põe por dentro do seu motor, do seu modo de pensar e de agir.
Em tom de confissão, de sessão terapêutica, o relato nos convida a olhar o mundo detrás dos olhos do Holden.
A ação acontece quase que em tempo real, são três dias sucessivos que ocorrem desde que o protagonista sai expulso da sua escola e decide demorar uns dias em New York  e realizar uma aventura nas vésperas do Natal antes de voltar em casa.
O romance se passa em dezembro de 1949. A história começa com Holden Caulfield , o protagonista, descrevendo sua convivência com  alunos  da escola do Pencey Prep, em Angerstown, Pensilvânia.
Basicamente é um monologo interior de Holden, um garoto de 16 anos,  que não consegue se encaixar na realidade imposta pelo sistema. Inconformista,  foi expulso de vários colégios e como tem hábitos literários (gosta do grande Gatsbi, por exemplo) consegue tirar boas notas apenas em redação.
Ele critica aos professores por serem superficiais, ou, como ele diria, “falsos”, vive como um estranho nesse mundo  de afetações e mentiras e sua lucidez e que o torna atraente.
Ele é alto,magro, tem parte de seu cabelo cinza (detalhe que ele explora para aumentar a sua idade), sofre de tédio e de depressão,tem valores éticos-morais, reconhece o que é e nos demonstra sua sensibilidade social, presenteia com alguns dólares a umas freiras que estavam em apuros e se preocupa em onde ficariam as aves do central park em inverno, isto aparece como uma obsessão e como uma metáfora do tema social, como se ele com isso se preocupasse com os mais fracos....onde vão os patos do lago no inverno?Ele questiona.
 Pela própria torpeza da sua juventude Holsen produz caos em diferentes ocasiões,  mostra  sua imaturidade  ao não ser discreto  em relação ao seus ciúmes , assim agride e é agredido ao  cair na briga com seu companheiro de quarto por conta de uma garota , outro caso acontece pelo fato de beber descontroladamente em uma oportunidade ele é convidado a sair de uma casa noturna,  em outro momento  comete a imprudência de chamar uma antiga namorada a horas inoportunas,se apresenta com nomes falsos e inventa como o personagem do romance “a fome” de Hansun mentiras em relação a sua vida.

Um personagem real.

Assim como o Tom Sawyer de Mark Twain  o nosso protagonista é um personagem real, com suas contradições, suas falhas, isto ,de repente, é o que o torna fascinante e é o que fizera que cento de leitores pudessem se identificar nas cobardias, nos excessos e no olhar de Holden.
Pensemos na sociedade moralista americana, pensemos o que significou para os jovens, na época em que foi lançado, 1951, seguramente uma carta de liberdade, um canto ao livre-arbítrio da ação e dos pensamentos que eles até aquele momento nunca tiveram em nenhum tipo de manifestação artística.

A relação com sua irmã e o encontro com um ex-professor.

O romance estava um pouco monótono, vômitos, questões adolescentes, palavrões, tédio instalado até o encontro do protagonista com sua irmãzinha e com um ex-professor, ai se levantam duas questões fundamentais que nos apresenta o autor.
Em determinado momento ela pergunta pra ele: mais ao final você gosta de que? Pergunta fundamental para perfurar nosso jovem, ele respondeu que gostava dela, reconhecendo seu afetivo e sua cumplicidade com ela como valor, falou também que gostaria sair da cidade e mudar de vida, algo como “cair fora” sem saber bem onde.
A segunda questão que aparece depois do encontro com a irmã ocorre quando o protagonista visita a um ex-professor e em determinado momento discutem certo método de avaliação estética que era praticado na escola.
A reivindicação do adolescente de permitir o direito a se sair de um tema, de  aceitar a dispersão dentro de um discurso lineal parece como uma possibilidade de lucidez e de espaço para a criatividade,  apostando no talento , entendendo a associação livre de idéias  como uma forma de perder as estribeiras e se permitir abrir o acaso como possibilidade criativa.
Juntando isto com a historia de o suicídio de um aluno,  das falsidades dos professores das escolas que ele freqüentou, dos questionamentos a Holiwood tratando a industria do cinema como uma máquina esmagadora e ao capitalismo como um sistema que vende ideais de consumo  podemos afirmar que um dos valores do romance se baseia em que este levanta as bandeiras contra o projeto americanizaste de existência.

Técnica.

O narrador intradiegético nos deixa com a sensação de um tom confessional; a falta de ação se apresenta como pano de fundo para expor pensamentos e sensações do protagonista ;pequenas anedotas como a da prostituta, a ida ao teatro ou a imagens no museu enfeitam  o tédio e a solidão de horas aziagas.

A música.

A música ocupa um lugar na discrição dos ambientes, o narrador em alguns momentos cita discos, composições e até descreve grupos e instrumentistas que ele assiste ao vivo, cita, por exemplo,a performance de um pianista e um percussionista com luxo de detalhes.

O titulo.

The Catcher in the Rye ou o  apanhador no campo de centeio , naturalmente um titulo intrigante; uma primeira questão que se levanta esta ligada ao porque do nome que dá título ao romance.
O livro leva esse nome em razão de Holden ter tido uma imagem fantástica onde ele se vê como um apanhador num campo de centeio, um guardião das crianças que se perdem a beira de um abismo sem volta, ou seja, como o guardião da  perda da inocência infantil.

Minha interpretação.

O narrador revela, de algum modo com este titulo obscuro, tipo parábola, como o próprio livro pode ser uma espécie de salva vida para toda uma geração de jovens.

Comentários.

Transcrevo aqui o texto de, A. Rocha e J. Dauster;"The Catcher in the Rye": (Penguin Books, 1994)
O próprio título passou a ter vida própria. Quem vai ao livro, chega até quase o seu final sem vislumbrar alguma explicação. Finalmente, o protagonista cita o poema que o inspirara ("Coming Through a Rye", R.Burns, Escócia, 1759-1796) e tudo parece que vai se esclarecer. Quando, porém, relata a espécie de "sonho em vigília", disparado pela lembrança dos versos, aquilo que, a princípio, parecia apenas uma charada, ganha contornos de absurdo, dignos da quase transposição do umbral da loucura:
"Fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto---quer dizer, ninguém grande--- a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o que tenho que fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar para onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas seria a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice...."   
Uma tradução livre de alguns dos versos do poema talvez ajude:
 "...Jenny está toda molhada, pobre criatura./Jenny raramente está seca:/ Elameou todos os seus corpetes/Atravessando o campo de centeio!/Atravessando o campo de centeio, pobre criatura,/ Elameou todos os seus corpetes.../Quem encontra um semelhante/Atravessando um campo de centeio,/Deve beijar esse outro ser/Uma criatura tem que chorar?..." Quem esperava por alguma explicação linear, decepcionou-se.



sábado, 16 de janeiro de 2016

Knut Hamsun.

Lembrando que o proposito de estas resenhas é afirmar a compresão dos livros que acabo de ler, ajudar a fixar eles na memoria assim como desenvolver a capacidade de colocar estas impresões por extenso.
Confio que  no convivio com esta pratica se aumente, ou ao menos  se exercite, o saber e o estilo.
O post de hoje fala sobre três contos e três  romances de Knut Hansun (1859-1952), se trata dos contos: “ A rainha de Sabá”, “ A morte de Glahn” , “O sonhador” e os romances:”Um vagabundo toca em surdina” ,Vitoria” e “Fome”.

O autor.

Seu verdadeiro nome era  Knut Pedersen , Pedersen  ficou oculto sua vida toda  detrás do sobrenome que se tornou público, seguramente esta escolha  em uma tentativa de preservar ,de algum modo, sua  privacidade.
Hamsun junto com Ibsen é um dos autores mais famosos de escandinava.
Passou  tempos difíceis, sofreu doenças delicadas como a tuberculoses e  padeceu privações materiais.
Trabalhou no campo, foi aprendiz de sapateiro, chofer de bonde nos EE.UU, conheceu a fama e a riqueza (obteve o novel de literatura em 1920).
Acabou  sua vida internado em uma clínica para doentes mentais e depois num asilo onde morreu surdo passados seus noventa anos de idade, durante este período escreveu um diário pessoal ao que chamou: “Por sendas onde cresce a erva”.
 Teve uma vida dura e por ironia do destino  o  seu romance Sult (fome) o tornou um dos escritores mais importantes da sua época com só 29 anos de idade.
Amante de uma vida reservada foi admirado por grandes mestres da literatura como Gorki e Ernest Hemingway, quem afirmava que Hamsun o ensinou a escrever.
O filosofo alemão Martin Heidegger o admirava pela sua obra, o escritor assim como o filosofo  também construiu uma cabana para poder se isolar e se dedicar a desenvolver sua obra longe da dispersão e da mundaneidade.

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A obra.
A rainha de Sabá.

O título faz referencia a um retrato de Julio Kromberg  que leva o nome da rainha, o  narrador batiza assim à musa-protagonista do conto devido a sua semelhança com o ícone.
Aqui a descrição que provoca a imagem da pintura no protagonista: ”É uma etíope, de dezenove anos, alta é terrivelmente bela rainha e mulher ao mesmo tempo”.
A narração é de caráter humorístico-absurda, relata a obsessão do protagonista por uma jovem que conhece de modo casual.
Sem saber o nome se quer de sua amada o protagonista fica obcecado por uma jovem a qual consegue reencontrar quatro anos apos um primeiro contato fugaz, mas ela se afasta e a fantasia se desfaz.
O conto descreve o mundo interior do narrador e seus argumentos descabelados para justificar sua obsessão, a narrativa toma um tom burlesco ao descrever as atividades que o protagonista  simula realizar e que o ajudam a justificar seu comportamento neurótico.

O mito.

De acordo com a cultura Etíope contida no Kebra Negast -  que não encontra paralelo na história bíblica - a narrativa é de que o rei Salomão teria convidado a rainha de Sabá para um banquete, servindo comida condimentada para induzi-la a ter sede, e convidando-a a passar a noite no seu palácio. A rainha pediu-lhe então que jurasse não a tomar à força. Ele aceitou com a condição de que ela, por sua vez, não levasse nada do seu palácio à força. A rainha assegurou que não o faria ofendida pela insinuação de que ela, uma monarca rica e poderosa, precisaria roubar qualquer coisa. No entanto, quando ela acordou no meio da noite, sedenta, pegou uma jarra de água que havia sido colocada ao lado de sua cama. O rei Salomão então apareceu, avisando-a de que estava a quebrar a sua promessa, ainda mais pelo fato de que a água, segundo ele, seria a mais valiosa de todas as suas posses materiais. Assim, enquanto ela saciou a sua sede, libertou o rei de sua promessa, e passaram a noite juntos.

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A morte de Glahn.

O segundo conto da serie relata a historia de dois homens que antipatizam ao ponto de provocarem uma situação violenta insustentável.
Eles saem de caça na Índia, se hospedam em um alojamento precário e a historia narra a vida na selva, o calor, as disputas, as pequenas grosserias, o álcool..
As afrontas de Glahn aumentam ao ponto de parecer que ele instigasse ao narrador (este sem nome) a que o assassinara.
Em um momento da historia surge um confronto porque Glhan estabelece um romance com uma indígena da região que estava namorando ao narrador..O triangulo estava formado entre Glahn,o narrador e Maggie (a nativa).
O narrador se enfurece com a afronta, Glanh ainda atira nele e o chama de covarde para aumentar o desafio, finalmente o narrador dispara contra Glahn e abandona o corpo na selva.

Estilo.
Um primeiro recurso que podemos comentar se refere à forma do roteiro, no caso o conto começa pelo fim, a família do Glahn procurando o corpo e depois se desenvolve a cena.
Um segundo recurso de natureza gráfica usado pelo autor é o de publicar todo um parágrafo varias vezes, com isto coloca ênfases no relato e introduz uma solução sonoro-visual no leitor produzindo um efeito algo hipnótico.
A cena se produz quando o narrador indaga a sua amante  sobre o porque ela tinha tornado a falar com Glahn...
Aqui a narrativa que repete:
 “-Responde-me porque tornaste a falar-lhe?
-Porque gosto mais dele
-Mais do que de mim?
Seu silêncio aumentava  a minha cólera: quase não podia respirar , nunca como então me parecia tão atraente e não a teria trocado nesse momento pela mulher mas linda do mundo, não só esquecia sua cor como a minha dignidade...tudo.
-Responde-me porque tornaste a falar-lhe?
-Porque gosto mais dele
-Mais do que de mim?
Seu silêncio aumentava  a minha cólera: quase não podia respirar , nunca como então me parecia tão atraente e não a teria trocado nesse momento pela mulher mas linda do mundo, não só esquecia sua cor como a minha dignidade...tudo.
-Responde-me porque tornaste a falar-lhe?
-Porque gosto mais dele
-Mais do que de mim?

Politicamente incorreto.
A frase ”não só esquecia sua cor” não é das mais respeitosas como a diferença de pele e a gratuidade com que os personagens matam animais na suas caçadas mostram a falta de consciência ecológica que dominava o mundo no final do século XIX.

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O sonhador.
Introdução.
Nos anteriores relatos o mundo interior era algo relevante estávamos na frente do que se conhece como “literatura psicológica” onde os humores, as neuroses, a descrição dos estados de espírito ocupava um lugar de privilegio... Os protagonistas não tinham nome e o relato era do tipo confessional escrito na primeira pessoa; em este romance o personagem tem nome, profissão, tem amor, é real, tem desejos... O relato, para se adequar mais a esta proposta descritiva esta na terceira pessoa.

O personagem.
O esguio Ove Rolandsen era telegrafista, usava cabelos longos, sua noiva costumava dizer com mordacidade que parecia um pintor que acabara como fotografo.
Tinha 34 anos, havia freqüentado a escola, cantava e tocava violão, era alto e forte, gostava de beber,era um sedutor e um inventor.

A trama.
A cena tem basicamente cinco personagens centrais e algumas historias paralelas, os personagens principais são Rolandsen, o comerciante Mack, sua filha Elise Mack, Marie van Lousse governanta do novo pastor , noiva de Rolandsen e o novo Pastor.
A primeira historia, o titulo do conto alude ao lado sonhador que tinha o protagonista, ele tinha inventado uma cola a base de peixe e precisava de investimentos para poder desenvolver sua criação. Com esta intenção tenta se aproximar do novo pastor e de Mack (um poderoso empresário da região) sem conseguir resultados; se atribui a autoria de um roubo para receber uma recompensa e com este patrimônio desenvolver seu invento para seduzir ao Sr Mack a se tornar seu sócio.
A segunda historia simultânea relata a vida do pastor e sua família.
Temos também o relato da vida na comunidade: varias pequenas historias que serviram para descrever o que acontece na  aldeia: os pescadores, as brigas, a sedução, a bebida, o dia a dia.
Duas outras historias que refletem o sentido do humor e o senso romântico narrativo.
A primeira ocorre entre Rolandsen e a esposa do novo pastor; ela simpatiza com ele, se aproxima e Rolandsen em uma noite de embriaguez acaba resolvendo cantar , em horas impróprias,uma serenata embaixo da janela do quarto dela e do pastor.
Este episodio romântico –ridículo junto ao descobrimento do verdadeiro ladrão daquele roubo que Rolandsen tinha  se adjudicado para receber a recompensa e a saída de cena de Arie van Loos (sua namorada) ao não querer ter seu nome atrelado ao de um delinqüente produzem um sentimento de vergonha no protagonista ao ponto de levar-lo a se auto exilar em uma ilha deserta próxima da aldeia.
No final do livro, Rolandsen retorna do seu breve exílio recebe a noticia que seu invento é cobiçado, se torna sócio do Sr Mack e recebe uma carta da sua ex-namorada na qual esta afirma seu desejo de voltar pra ele; Rolandsen responde:   ”absolutamente não era tarde demais. Venha na primeira oportunidade para o Norte. Seu Ove”.
A filha do Sr.Mack percebe, ante a eminência da perda, o valor oculto que tinha sua relação com Ove Rolandsen e decide enviar uma segunda mensagem a Marie van Loos dizendo que: ”não devia levar em consideração o pedido de Ove Rolandsen, pois não fora sério. Espere carta. Elise Mack”.
No final do conto uma caricia de Marie sugere um inicio de uma nova relação.

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Um vagabundo toca em surdina.

O titulo usa uma imagem musical; algo assim como: "malandro, fala baixinho" ou "velho sábio não sai dando berros”... Lindo livro que conta a historia de um homem  sensato e solitário.
Imagino que a palavra “vagabundo”, por todo o que ela carrega de negativo na língua portuguesa, deveria ser trocada por o termo peregrino.
O conto faz parte de uma trilogia formada pelos textos: “Baixo as estrela do outono”, “Um vagabundo toca em surdina” e “A ultima alegria”.

O Relato.
 O romance começa com um prelúdio onde o autor introduz uma historia paralela no narrador na forma de lembrança.
A historia inicial narra a vingança de um amigo mexicano do narrador ao assassinar ao patrão da sua namorada por conta que este a teria matado ao obrigá-la a trabalhar em condições de exploração extrema.
A historia em si começa numa zona rural quando o protagonista volta à propriedade do capitão em Oevreboe a procurar emprego depois de alguns anos de ausência.
O relato narra a vida dos camponeses, a natureza , aqui uma das descrições: “ Imensa calma desce sobre mim em contato com aquelas almas simples, daquela casinha perdida no meio do arvoredo que se agita a cantar sua eterna canção, tangido pelo vento”
Do lado dos patrões a realidade é perturbada pelas relações amorosas que se cruzam entre o capitão Falklemberg (60 anos), sua esposa Luiza, (não define idade, mas esclarece que é jovem - quarenta anos aproximadamente-), o engenheiro Hugo Lassen (25 anos, amante de Luiza), e  Isabel (40 anos); o capitão casado com Luiza e sendo amante de Isabel e o Luiza sendo amante do engenheiro criam dois triângulos amorosos.
No percurso da trama aparece uma polarização clara, o autor aprecia a vida, os valores dos criados e os opõe com a mundaneidade frívola dos patrões.
A vida não era pacífica, existiam ciúmes  e controle..No jogo de domínio das informações, similar ao da trama de espionagem, Luiza tem como aliada a sua criada Ragnilde; como esta incomodava os interesses do  casal (Capitão e Isabel )o Capitão decide se livrar dela  se mostrando insatisfeito com a necessidade de manter-la em casa  .
Com esta iniciativa ao invés de conseguir seu propósito o Capitão fez que  aumentaram as suspeitas da sua esposa; assim  o Capitão começa uma nova tática que consistia em insinuar uma aproximação erótica com Ragnilde,  a sua idéia de provocar uma discórdia entre Luiza e sua criada funcionou, o seu atrevimento chega ao ponto de dizer uma grosseira amabilidade: “Ragnilde, lindo corpo que tu tens...”
A empregada  é despedida  em um primeiro momento mas pelo conjunto das circunstancias se manteve como dama de quarto de Luiza ao longo da trama.
O personagem protagonista, o “vagabundo” que dá título ao romance não tem nome, mas é descrito como um criado de hábitos solitários, de cabelo e barba grisalhas, discreto, honesto e secretamente deslumbrado pela sua patroa Luiza Falklemberg.
As relações entre os Falklemberg se tencionam e se produz a ruptura do casal; Luiza sai para morar com o engenheiro e o capitão se ausenta da casa.
O romance tem três partes narrativas que se dividem a partir da separação do casal Falkkemberg e da saída do protagonista de Oevreboe para uma cidade próxima onde esta trabalhando o engenheiro e a volta do protagonista e de Luiza a Oevreboe . A  forma  total tem então um prelúdio, XIV capítulos e um finale.
O autor descreve a cidade onde o protagonista trabalha  e onde mora Luiza com o engenheiro durante a segunda parte do romance como uma cidade morta.
“Foi com a Suíça que aprendemos a ser um pais de medíocres que tudo desatende, menos ao interesse  dos turistas” , ou “A nossa existência só tem das outras a diferencia de que aqui se vive  com unhas curvas e olhos de rato, com ouvidos que enche , dia e noite o trovejar do rio”.
Na volta a casa Luiza anuncia sua gravidez, a relação acaba se tornando insustentável, o Capitão se afasta e Luiza visita o engenheiro, sofre um acidente morre e o protagonista sai da casa e retoma seu perambular pelo mundo afora.

                                                               
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Reflexões.
Uma das questões que levanta o texto é a de como determinadas pessoas, independente da sua riqueza material ou sua hierarquia, conseguem se relacionar de um modo verdadeiro com a vida, como conseguem desenvolver um senso de honestidade, de elegância enquanto que outras se comportam de modo caprichoso, fútil e extravagante.
Isto acontece mais que nada quando o autor opõe as ações de Luiza e do engenheiro as do protagonista; embora este seja um simples camponês ele se comporta de um modo muito mais lúcido e discreto que os outros dois afetados personagens.
Provérbios.
 O autor apresenta vários pensamentos em forma de ditados. Aqui algum deles: “Não queria compreender que o mundo não é feito para ser julgado pelos homens”.
“ A vida é assim e os projetos não pertencem aos humanos”.
“Suportar a desgraça não é dado a todos os corações”.

Final.
 O autor escreve um epilogo magistral onde entre outras coisas fala sobre o que significa o titulo do livro, fala sobre sabedoria e felicidade...
Ele se pergunta que fazer quando chegamos tarde demais às coisas?
Ele responde que apenas rir (ter uma atitude ingênuo-otimista )demonstra uma incapacidade cerebral, agora ele nos sugere que podemos  mover-nos, que nos é dada a possibilidade de escolha;  ele  nos diz que podemos procurar um lugar melhor usa a imagem de que “podemos evitar sentarmos encima do prego”.
Fala  sobre a obsessão, opõe uma pessoa que busca uma revanche por afetação  a uma pessoa simples  que não se revolta porque sabe que sempre algo aparece.
Opõe um ambicioso que quer tudo, mas que este cego para a beleza da floresta.
Rechaça os homens que apenas orientam sua vida a defender o seu, os que se tornam escravos do que é seu.
Fala que os anos só dão velhice e não experiência ou sabedoria.
Comenta que um sábio, por exemplo, se torna sábio já velho; fala sobre a possibilidade de conhecer uma mulher e diz que o velho sábio só conhece a mulher na sua memória, o que , de algum modo o impede de conhecê-la; por outro lado explica  que a  imagem de mulher como um ser doce, suave, esta só neles não na realidade.
O livro acaba com um elogio da contemplação do mundo e das possíveis apreciações, musicais, visuais, da natureza no seu esplendor.
Justamente  uma das características do autor é a de trazer a imagens sonoras. Trazer o som como um elemento descritivo de uma cena ou da personalidade dos personagens, no final do livro o autor compara o som da floresta ao som do mar e o estado contemplativo do protagonista ao som de um violoncelo.

Vitoria.
O romance é extraordinário, tem algo de autobiográfico porque o personagem masculino central é ,assim como o autor,um moço de origem simples, o filho de um moleiro no caso, que acaba ganhando notoriedade como escritor.
O tema central é o amor e aqui me permito colocar uma primeira questão, confesso que acho que  é muito difícil falar do amor sem cair em posturas piegas ou sentimentais demais, o limite entre o artístico e o excesso é muito tênue , o autor tem que ser muito mestre e entrar com cenas que contrastem para aliviar aquela fascinação infantil que é se sentir apaixonado com  10 anos de idade e ele consegue.

A trama.
Em um povoado simples frente ao mar existe um mundo desigual, por um lado a família que mora num castelo e por outro a população digamos normal formada por trabalhadores, marinheiros...
As crianças acabam se misturando nos seus jogos inocentes e esta miscelânea  os protagonistas compartem jogos, passeios e acabam desenvolvendo laços afetivos.
Assim foi que Vitoria ,a garota do Castelo, e Johansen, o filho do moleiro ,se conheceram e se apaixonaram quando ela tinha 10 e ele 14 anos.]
Eles confessam seu amor  mutuo durante um passeio , ainda crianças, a cena é linda: ”Tenho certeza de que ela não gosta de você tanto quanto eu- respondeu Vitoria.
Um raio de êxtase eletrizou seu jovem coração. Ele poderia ter mergulhado na terra, de alegria e acanhamento ante as palavras dela. Não se atrevia a fitá-la“.
A cena corta e muda, eles se reencontram 5 anos depois para confirmar aquele primeiro encontro, se beijam e se confessam amor mutuamente mas surge a condição social como impedimento para que a relação pudesse prosperar .
Passam anos e os dois se definem como adultos, ele como um escritor que publica livros de certa repercussão e ela como prometida de um tenente Otto, amigo também da infância.
Paralelo ao relato central  o protagonista salva uma criança de ser afogada e este ato se adere a sua vida a partir de uma relação amorosa secundaria com a vitima.
A relação dos dois (Vitoria e Johansten) cresce ,como um musgo  na pedra ,mas ela acaba cedendo as pressões  familiares e fica noiva do tenente, na noite da festa do compromisso social Vitoria convida seu namorado oculto e dá como presente de consolo aquela garotinha que ele tinha salvo de bandeja.

As mortes

O romance se define com três mortes, primeiro o tenente noivo de Vitoria; depois o pai dela se suicida porque estava afundado em dívidas e imaginava que o matrimonio da sua filha poderia resolver seu fracasso material.
Por último a morte da própria protagonista que define com uma carta derradeira o fim do romance.
Uma reflexão sobre as mortes nos relatos de Hansun: A morte de Luiza no romance “ Um vagabundo toca em surdina”  e as três mortes no romance “Vitoria” refletem como o autor de algum modo pune  aos personagens com características mundanas, triviais .
O criador assassina as criaturas que ele mesmo inventara em um jogo o que nos permite questionar-nos até que ponto a obra cobra vida própria ou o criador interfere nela com sua vontade.

Fantasia.
Existem dois momentos nos quais o autor libera sua imaginação, sai do relato lineal e solta sua fantasia.
Primeiro quando o casal Vitoria e Johansten, crianças brincam numa caverna que  se encontra na praia, durante o primeiro capítulo : “Esta é a pedra onde o gigante se sentava.-você falou que só tinha um olho então deve ser um duende,- Vitoria levanto-se  e faz menção de encaminhar-se para a entrada. – Não há motivo para pressa, tornou Johantes- Ele só virá no anoitecer.À meia-noite.”
Depois no capitulo quinto quando Johantes , já adulto e escritor , delira no argumento de um novo livro:”Encontra-se diante de uma grande porta e vê um grande peixe que ladra. Tem uma crina nas costas e late como um cão”.

A fome.
Um homem na maior das penúrias materiais vê sua vida golpeada ao ponto de não ter o que comer perder o quarto onde habitava e virar mendigo.
Para quem conhece um pouco sobre a vida de Knut Hansun a historia parece inspirada nas difíceis situações pelas que ele passou.
O autor situa a cena em Cristania (atual Oslo) assim como o Raskólnikov do Crime e Castigo de Dostoievsky, o protagonista, narrador é um jovem escritor pobre, provinciano que viera na cidade grande em busca de oportunidades.
O protagonista inventa nomes para si mesmo, parece que o fato de ser anônimo faz parte da sua invisibilidade... Um ser desprezado, esquecido, parecesse como que sua falta de individualidade se reforça na ausência de afirmação da sua identificação. Ele em um momento diz que se chama  Wendel Jarlsberg,  depois André Tangen e até  Valdemar Atlerdag.
O protagonista afirmava sua dignidade ao se apresentar como autor de textos, ele escrevia artigos de ordem filosófica e com isso sobrevivia, mas a indiferença do mundo o estava excluindo, ainda mantinha sua integridade e sua consciência saudável, mas as dificuldades o levaram a ter alguns comportamentos estranhos; primeiro com umas moças, depois com um cego, com um policial e com um senhor na rua que denotavam certo grau de falta de discernimento mental no nosso protagonista.
A tristeza só foi interrompida momentaneamente pela noticia da compra de um dos seus artigos; a alegria porem durou escassas noites, aos poucos o dinheiro acabou e o protagonista voltou a flanar sem rumo e a retomar ao seu dia a dia febril, fraco, debilitado... Ele fica dormido e durante o descanso tem um sonho fantástico que nos lembra um dos contos “das mil e uma noites”.
A referencia:  No conto original um homem do povo que se mostra hospitaleiro com o Sultão ,sem saber quem ele era,  lê confessa seu desejo de pertencer a realeza ; é sedado e levado ao palácio do Sultão para ser todo-poderoso por um dia, acorda na cama real, é conduzido por varias criadas lindas e depois é banhado por outras jovens magníficas, é vestido com roupas extraordinárias , visita diferentes salões onde experimenta frutas, bebidas, perfumes,, no final do dia é novamente sedado e devolvido ao seu quarto habitual...
Aqui  no romance á narração é a seguinte: [Ao chegar a noite monstros negros vinham aspirar-me ; e levar-me para bem longe , para o outro lado do mar ; a través de regiões estranhas onde não vivem seres humanos. E me conduziram ao castelo da princesa ilíaliai , onde me aguardam imprevistos esplendores, acima de qualquer esplendor humano. Ela sentada num salão fascinante, onde tudo é ametista, sentada num trono de rosas amarelas, estenderá a mão quando eu entrar, fazendo ouvir a saudação de boas-vindas , à minha aproximação, e me prosternarei:” Bem-vindo  cavalheiro ! Bem-vindo ao meu pais....]
O protagonista acorda do sonho fantástico; continua na rua, volta a sua rotina miserável de desprezo e exclusão até que durante uma noite, depois de vagar sem encontrar um lugar onde se proteger dorme em num refugio público; como o quarto era completamente fechado ele passa mal, sofre pesadelos até quase surtar, no outro dia a sorte o ajuda e, nesses equívocos favoráveis que a vida outorga,recebe um troco errado de um comerciante do qual pretendia comprar uma vela fiado para poder terminar de escrever um dos seus textos; com a “pequena fortuna” compra comida, paga um quarto e ganha uma nova trégua.
O dinheiro acaba volta à rua e luta por um lado por manter sua integridade, ser honesto, não se corromper, e por outro se permite questionar e até discutir com Deus para que ele justifique o porquê de tanto castigo, de tanta perseguição contra sua indefesa pessoa.
O autor parece querer discutir em este trecho a existência humana e como o homem deve se conduzir levantando  a questão da ética, da integridade moral e a relação com a fé e com a impotência e com a falta de significado místico , com o absurdo do seu calvário, é curioso como ele nunca apela para uma interpretação social ou política da sua situação.
Volta às ruas recebe humilhações, indiferença, sua figura levanta suspeita e desconfiança. De repente um repouso, consegue receber o adiantamento por um artigo ao mesmo tempo se reencontra com uma moça a qual se despede dele com um beijo, marcam um encontro; a vida parece querer dar um descanso.
O encontro começa bem, mas, no meio de uma situação intima, ela corta o clima e o caso amoroso se desfaz, sofre um pequeno acidente, suas roupas se deterioram, o dinheiro se acaba e volta à precariedade.
É importante reafirmar que o autor não coloca nome nem o protagonista nem na moça, ela apenas é batizada por ele com o nome de fantasia de Ilaiáli.
Voltam às horas de fome, chega ao ponto de comer carne crua, entre a sua debilidade física e a decadência do seu aspecto visual, ganha uma nova folga no seu tormento e consegue se instalar por umas semanas numa pensão.
No começo da quarta e última parte do romance o narrador descreve a chegada do inverno, o clima é de tristeza e desesperança: “Chegara o inverno – inverno úmido e doentio, quase sem neve, noite perpetua, escura e brumosa, sem a menor rajada de vento fresco durante uma semana. O gás flambava quase o dia inteiro nas ruas, e a pesar disso as pessoas se chocavam na cerração. Todos os ruídos – badaladas de sino, guizos  de cavalos de fiacre, vozes humanas, bater de ferro no calcamento – ressoavam surdamente, como sepultadas no ar espesso. Passaram-se semanas e o tempo na mesma”.
O protagonista pensa em escrever um artigo inspirado em um incêndio que aconteceria numa livraria, ele comenta que na realidade seria os cérebro dos homens que ardiam , comenta que  queria fazer uma verdadeira noite de São Bartolomeu com os cérebros em chamas.
Recordando que com o nome de “a noite de São Bartolomeu” se lembra uma trágica jornada na qual foram assassinados na França, em 1572 , centenas de protestantes nas mãos de católicos.
Voltando ao romance, o alento que deu origem à idéia do artigo foi interrompida pelo ingresso da dona do apartamento que alugava o que o produziu que ele tivesse que sair do quarto e com isso a idéia inspiradora sofrera um golpe traumático que o obriga a abandonar o texto que tinha iniciado.
Dormindo em um corredor, pressionado por toda uma situação asfixiante, decide escrever um drama inspirado na idade media chamado: “o sinal da cruz”.
A iminência do seu despejo, a fome e a pressão se aliviam com uma carta anônima na qual recebe algum dinheiro, joga na cara da dona do quarto a nota; sai da casa, vaga pelas imediações da zona portuária se oferece como ajudante em um navio. Embarca para Inglaterra e assim, como abrindo novos horizontes, outros ares, termina o romance.
Final.
A sensação do livro asfixiante, o clima sombrio e doentio não nos dá um respiro, parece aquelas situações opressivas esmagadoras criadas por Dostoievski no seus relatos ou pelo próprio Henri Miller que ,anos mais tarde narraria seus momentos de precariedade e penúria.
O tempo todo o protagonista esta contra as cordas recebendo uma surra que não para, o clima é esse. Sabemos pela sua biografia que o autor sofreu necessidades materiais e padeceu doenças como a tuberculose que é uma  enfermidade própria de situações de baixa imunidade, de precariedade material, próprias de população em situação de risco.
 Tal vez , como aconteceu com Dostoievki, que depois da experiência existencial de ficar quatro anos confinado num presídio na Sibéria conhece o que é a alma humana; também o autor precisou viver essas experiências trágicas para ganhar compreensão para olhar o mundo. Tal vez o lugar do poeta seja justamente tornar belo o triste.
Um romance que nos torna mais sensíveis aos problemas sociais, ninguém é o mesmo depois de ler este livro.









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