quinta-feira, 23 de abril de 2015

Stendhal

Literatura francesa, Stendhal . “Crônicas Italianas” e outras cositas.

Introdução (minha formação).

Teve uma formação  literária, visual e musical muito deficitária,  durante toda minha infância e adolescência fui um indigente cultural, quando cheguei aos 20 anos percebi minhas precariedades e achei que deveria correr atrás de me construir,  estudei música  com bons mestres  e ao mesmo tempo  fiz o vestibular e passei para Letras. 
Estudei mediocremente Letras em Buenos Aires entre os anos de 1980 e 1983, não me dei bem com a Academia, com a rotina de provas e também com o fato de ter sempre que relegar uma leitura mais demorada para um futuro incerto (tinha vinte e poucos anos e precisava de tempo para digerir aquilo) ainda assim rendi matérias de filosofia, grego, latim, mais o que mais gostei, além do ambiente, é claro, foram às matérias que me colocaram em contato com as obras; assim conheci literatura espanhola, latino americana, francesa, russa ,  grega, italiana, árabe, inglesa ...
(foto de Allen Gihnsberg)
Dentro dos programas tínhamos aos clássicos que eram muito bons  mais por fora li  muita coisa, estava buscando algo novo e me dediquei a ler tudo o que passava pela minha frente ;   “o automóvel verde” de Allen Gihnsberg,  “Balada de la Oficina”de Roberto Mariani, Roberto Artl, Cortazar, Haroldo Conty ,  toda a obra de Henry Miller, ele me encorajou a fazer um percurso fora do oficial, li também outros nomes como, por exemplo,Hoffman, Edgar Allan Poe,  tudo de Borges é claro, o Boris Vian, lembro que comprei vários livros dele porque naquela época aparecia como alguém inovador, me lembro de ter lido “o arrancacorações” e “com as mulheres no há modo”... Vivia-se um clima de efervescência, éramos uma geração posterior a Cuba e ao maio francês mais existia uma vida intensa da boemia e da intelectualidade nos bares de Buenos Aires que resistia ao entorno repressor dos anos de chumbo que me inspirava; lembro-me que na esquina de Montevideo e Corrientes , nas mesas do bar “La Paz”  ou no restaurante “Pippo”,  tinha sempre jovens discutindo cinema,  idéias políticas, teatro, falávamos sobre o “Manifesto surrealista“ ou a obra “o peixe volúvel”de André Breton,  escutavamos música contemporânea , o Roberto Villanueva tinha estreado “O Plauto” onde trabalhava um amigo meu e assim conheci também o ambiente do teatro, li “Esperando a Godot”de Beckett, o “Wether  de Goethe”, “las panteras  y el templo”de Abelardo Castillo,Walt Whitman e seu eufórico  “canto a mi mesmo” ... Sei que era algo inconsistente nosso universo surrealista mais era permeado de rupturas e de liberdades, não éramos jovens alpinistas querendo  corresponder ao ideal classe media e ter nossos  destinos atrelados ao  establishment , éramos sonhadores e idealistas.

O percurso.

Como falei, eu teve uma educação precária, pela minha conta tinha lido alguns romances de Julio Verne, Pinóquio de Carlo Collodi.
Tinha saído de um colégio de padres salesianos onde o nível cultural era baixíssimo, apenas me lembro de ter lido “Tom Sawyer” de Mark Twain e  “Os  cachorros”de Vargas Lloza, naquele período.
Depois de sete anos na escola cristã e mais um ano numa escola pública diurna posso afirmar que tinha lido alguns textos como “o lobo da Estepe” de Hernann Hesse...
Aos 18 anos passei mais de um ano no exercito donde o convívio com a literatura era nulo por parte de meus pares.
Terminei o segundo grau numa escola noturna onde já tinha começado a conhecer pessoas que tinham o hábito da leitura (lembro de ter lido “Uma temporada no inferno ”do Arthur Rimbaud por exemplo)....Paralelo a meu mundo social na escola existiam as relações do meu bairro , em Wilde (subúrbio de Buenos Aires) apenas tinha uma pessoa do meu médio que tinha alguma carga literária importante  (Niestsche, etc) a maioria não tinha nenhuma carga de leitura  ou, por acaso,  tinha
 contato com literatura menor  como a do escritor uruguaio Mario Benedetti que na época  tinha inspirado um filme chamado  “La Tregua” e que tinha se convertido um uma espécie de Best -Seller entre  os portenhos.
Depois de todo esse começo de fragilidade embora, eu pudesse estar na Universidade, me pergunto, com um pouco mais de 20 anos, como eu poderia ler, por conta própria e estar na altura, minimamente, de apreciar ou de avaliar as questões que se apresentavam nos textos e nas obras prima da literatura mundial com as que e pudesse me confrontar?A resposta é que o contato  foi importante, o encontro com textos bons te abre a percepção e o olhar das coisas embora você não esteja preparado para receber aquilo naquele momento.

Literatura francesa.

Aos 22 anos depois de conhecer pessoalmente Paris e o sul da França, depois de poder ler alguns autores franceses teve a sensação que estava na frente de uma grande cultura, compreendi que tinha que tirar o chapéu para uma tradição que tem vários e importantes exemplos de artistas que enaltecem a literatura universal.
Balzac com seus romances, Maupassant e seus contos trágicos, Proust e sua “Procura do tempo perdido”, a poesia de Rimbaud ou de Baudelaire, Flaubert e sua obra magnífica, as aventuras de Julio Verne, a comicidade de um Moliére, a poesia de Mallarmé, Artaud, Celine e a arte de tantos outros...
Autores como Cortazar ou até o próprio Henry Miller que moraram em Paris por muito tempo também podem ser indiretamente inseridos nesta tradição... Tinha chegado à conclusão que a escola francesa é uma das mais influentes do mundo e percebi que tem desdobramentos no cinema e na filosofia... Não podemos pensar o cinema francês com seu estilo realista e ao mesmo tempo poético, completamente diferente da escola de cinema de Holiwood, sem deixar de pensar em Paris nem nos ambientes intelectuais; Paris é uma cidade que acolheu a grandes nomes da música clássica e contemporânea, uma cidade que recebeu também o jazz e o tango, por exemplo, com poucas outras cidades no mundo o fizeram...

 Crônicas Italianas.


Toda esta introdução para comentar um livro do Stendhal... Hoje, então, vamos falar de Henri Beyle mais conhecido no mundo como Stendhal, século XIX, ele sem deixar de ser um francês, um herdeiro dessa linhagem, ao longo da sua obra faz questão de se distanciar e de ter uma postura crítica com sua cultura; ele se afasta do sua origem e afirma que  considerava  a cultura francesa como inferior a italiana e inclusive a espanhola por achar que estas possuem temperamentos mais vivos que  tinham mais paixão... Falava que o motor do francês é a vaidade e criticava seu espírito por achar-lo frio e impessoal demais.
Stendhal expõe esta sua postura no conto “Os Cenci” quando afirma: “No há que se surpreender de que a figura de Don Juan foi introduzida na literatura por um poeta espanhol. O amor ocupa um lugar destacado na vida deste povo, em este país existe uma paixão verdadeira na que se sacrificam sem duvidar-lo, todas as outras forças inclusive a vaidade. O mesmo acontece na Alemanha e na Itália, só a França se há esquecido completamente de essa paixão que leva a fazer tantas loucuras a esses estrangeiros, por exemplo, se casar com uma mulher pobre apenas porque ela é bonita e porque esta apaixonado".
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 Dono de uma prosa elegante e de um estilo próprio Stendhal escreveu livros importantes como “Vermelho e Preto”, “Amancia” e, entre outras obras, uma serie de contos reunidos com o titulo de: “Crônicas Italianas”.
Esta obra em sim foi inspirada em antigos manuscritos que o autor recolheu onde se encontraram narrações sociais e processos judiciais do século XV que envolve crimes e historias amorosas.
Trata-se de pequenos contos, vários deles imprecisos e sem um acabamento adequado ao habitual de uma grande obra mais onde podemos ver toda a inteligência, a sensibilidade, o olhar agudo e sarcástico de um artista.
O livro se divide em oito narrações: A abadessa de Castro , Vitoria Accoramboni, Os Cenci ,A duquesa de Palliano,Sào  Francesco e Ripa, Vanina Vanini,Maria Prestigio mata Suora Scolastica.


Suora  Scolástica, historia que abalou toda Nápoles em 1740.

Sinopse

É um conto que narra uma historia de amor entre uma jovem belíssima chamada Rosalinda e o Gennarino; ela filha do príncipe de Bissignano (condenada pela sua família a ter que se refugiar num mosteiro) ele o Gennarino, um jovem militar, por acaso sobrinho da Avadessa que dirigia o mosteiro onde a Rosalinda se achava privada da sua liberdade.
Conheceram-se de vista nas festas sociais e simpatizaram mais apenas isso...Até que Rosalinda  saiu  de cena porque  abruptamente foi recolhida pela sua família ao cativeiro, o nome dela dentro do convento foi Suora Scolática daí o titulo da narração.
Ele tentou seduzir ela se fazendo ver com flores nas adjacências do mosteiro até que por meio de um ex empregado da sua família, no momento jardineiro do claustro, ele consegue enviar mensagens para Rosalinda.
Com a insistência dele o casal se aproxima se tornam amantes e passam a ter encontros platônicos, a escondidas, dentro do claustro; ela aceita o amor dele inclusive porque não foi sua escolha ingressar no mosteiro e não tinha nenhum voto de castidade ou compromisso similar com o fato de estar no convento;  o certo é que este ato faz com que eles sejam condenados, de acordo as leis da igreja, por terem profanado o espaço sagrado com seu amor terreal.
Nada tinha acontecido mais o fato deles dois terem se encontrado foi o suficiente para que eles fossem condenados pelo ato considerado de sacrilégio.
Não precisava tanta severidade,  poderiam ter sofrido apenas uma advertência ou uma punição menor, mais a igreja queria se liberar de uma imagem negativa em relação a permissividade que existia no seu espaço territorial e escolheu este caso para executar uma pena exemplar.

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Estendhal tem uma virtude importante como escritor, ele consegue que o leitor reconstrua visualmente uma cena como se estivesse na frente de uma tela de cinema...são recursos visuais, atmosferas, climas nos quais ele nos envolve com o calor do seu texto.
Vou citar uma descrição de um desses casos, a cena aconteceu quando os protagonistas, Rosalinda e Gennarino, conversando de madrugada são abordados pelas freiras: “Os dois amantes estavam iluminados apenas pela luz incerta das estrelas, seus olhos foram ofuscados pela viva claridade de oito o dez lâmpadas que eram levadas pelas acompanhantes da abadessa”.
Continuando com a sinopse do conto: ela foi avaliada apenas por essa cena mais o julgamento não avançava porque na estava comprovado, por fragrante ou por confissão, que  o Gennarino fosse o rapaz com o qual ela se encontrava dentro do convento isto porque ele não tinha sido identificado, apenas um silueta fugindo ficou na memória das testemunhas.
O juízes suspeitaram que Gennardino fosse o amante de Rosalinda  assim que prepararam um encontro numa igreja onde ela deveria  passar por uma acareação frente a ele.
Rosalinda se apresentou digna, magra teria que encontrar com Gennarino na frente do povo  testemunhado para os juízes que ela não o conhecera para evitar prejudicar-lo...a cena foi rápida e genial no sentido dramático da narração , a luzes, o interrogatório, o quadro foi algo realmente artístico: Ela olhando pra ele com o carinho de reencontrar o seu amor na sua frente e ao mesmo tempo tendo que fingir frieza no sentido de  ter que negar o vinculo para não prejudicar ao seu amado , baixo o olhar de uma multidão de curiosos, de fieis e de autoridades judiciais ela nega conhecê-lo.
Stendhal descreve assim a cena: “Para a cerimônia de confrontação a igreja tinha sido arranjada para acomodar o trono do arcebispo, as mulheres e os homens em fim o público, para grande desprazer das belas damas da corte de Nápoles, a cerimônia durou apenas um instante, Rosalinda estava bem disposta com o hábito de noviça, sua fisionomia era emocionante ainda que ela empalidecesse e emagrecera muito.
Mal se ouviu quando, após um Veni creatore de Pergolese, cantado por todas as vozes do convento, Scolastica, ébria de amor e felicidade por rever seu amigo, com o qual não se encontrava há quase um ano, pronunciou essas palavras: -Não conheço este senhor, nunca o vi antes”.
O desenlace foi trágico, ela recebe um pedido de casamento arranjado que a salvaria da morte, mais o rechaça, ele se entristece de ciúmes e de duvidas ao ponto de perder a vontade de viver e mata-se ao saber da morte do seu amante ela esposa um senhor de 69 anos de nome Vargas sobe a condição de que todos os anos ela passará três meses no convento em que Gennarino se matou.
O romance termina com a seguinte frase: “Se Gennarino me vê de sua morada celeste, que pensará de mim?
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Na pintura a pincelada  no meu entender mostra o humano, o traço como acontece nesta imagem de Bracher....
Na literatura pra mim, fora o tema, o assunto, a historia que esta sendo narrada tem que ter pensamento, emoção, beleza, ritmo narrativo, o autor se expressa não apenas no argumento geral mais nas frases que aparecem inseridas no texto, escutem esta que aparece dentro do conto  Suora Scolastica: “- Que Vossa Majestade se recorde sempre que aquele que não teme a Deus não teme a seu rei”!
Ou esta outra que encontramos no conto “Muito prestigio mata” ele escreve esta outra perola: “Não sei se ousaria vos dizer que todas as pessoas do vosso sexo que encontrei no mundo me inspiram sempre mais desprezo pelo seu caráter do que admiração pela sua beleza”.

Vanina Vanini ou Particularidades sobre a última Loggia de Carbonários.

Tinha comentado que Stendhal escreve estas crônicas inspirado em arquivos judiciais, ele se interessou em aquelas historias que tiveram motivações passionais, dentro desta linha uma segunda narração que queria destacar é Vanina Vanini, de novo o tema do amor , da morte, da igreja, dos castigos, o tema social e político.
Reafirmando aquele elogio pelo caráter passional do italiano em um dos trechos deste conto Stendhal assevera: “Se a loucura foi grande, há de dizer também que Vanina foi completamente feliz, Misstrili não pensou em aquilo que deveria ser seu dever de homem, amou como se a ama a primeira vez aos 19 anos e na Itália”.
A historia trata do amor entre Vanina Vanini e Pietro Missirilli , ele um militante da causa dos carbonários que lutavam pela unidade italiana, ela uma princesa  entediada do mundo da corte  que se apaixona por considerar a Missirilli um homem de verdade .
O casal se une, ocorre uma assembléia dos carbonários onde eles reúnem todos seus membros paralelo a este compromisso político ela convida Missirilli a passar a noite com ela no castelo de São Niccolô e se ausentar da reunião com seus companheiros, ele aceita o convite.
No intuito de destruir o vinculo com os seus colegas e de reter ao seu amante, ela denuncia aos carbonários que iriam participar da reunião as autoridades policiais.
Vitimas da denuncia os lideres da loggia são coagidos e colocados atrás das grades, mais ao contrario do que ela esperava Missirilli retoma ainda mais a atividade junto com seus companheiros, se ausenta da presença dela e se entrega as autoridades com o propósito de se reunir com eles no presídio.
Ele some deixando uma carta que diz: “Vou entregar-me prisioneiro ao núncio. Quem nos traiu? Adeus, se me amas medita em como vingar-me. Aniquilarei o infame que nos traiu, seja quem for, mesmo que seja meu pai”.
Vanina  se aproxima da sua família para tentar ver se com suas influencias sócias ela poderia  liberar seu namorado da cadeia , mais a sua família tinha outras intenções,  a idéia era de casar Vanina com o príncipe Livio Savelli , ela não aceita a proposta,  Vanina  com sua conduta aumenta ainda mais o desejo do Livio de conquistar-la , ela se aproveitando da situação obriga Livio a conseguir aceso aos documentos que incriminavam ao seu amado;  assim ela vestida de homem consegue entrar no palácio do governador e se confronta com os documentos que acusavam a Missirilli; na saída do palácio, em compensação pelo gesto amigável ela permite que Livio a pudesse beijar.
Vanina especulava se ficar na sua casa paterna ou viajar a Romagna onde seu amante estava preso e tentar uma evasão porque a noticia era que Missirilli estava condenado a morte, disposta a um todo ou nada entra pela janela do quarto do ministro fantasiada de homem; a cena é algo realmente artístico de parte de Stendhal, Vanina primeiro de forma ameaçadora e depois mais afável adverte ao monsenhor Catanzara que se ele não salva a vida de Missirilli em uma semana seria um homem morto.
Ela usa todas as forças que tem a seu favor para seduzir ao seu velho tio, governador em Roma, apela com sua beleza feminina e até promete um beijo se ele interferir em seu favor. Ele promete salvar a vida do condenado e ela o beija.
Dois dias depois estava o governador na frente do Papa e consegue salvar a vida do Pitrilli mais ainda assim Vanina temia que quisessem envenenar ao condenado.
Missirilli é transladado e ela consegue que possa estar numa missa na qual ela estaria presente e assim pudesse ver de novo ao seu amado; ela tinha denunciado a loggia mais também tinha salvado a vida dele, estes pensamentos a aturdiam...
Stendhal descreve a cena: “A noite foi cruel. A lâmpada do altar, colocada a grande altura, na qual o carcereiro derramava óleo, era a única a iluminar essa capela sombria. Os olhos de Vanina erravam sobre os túmulos de alguns grandes senhores, Suas estatuas tinham um aspecto feroz.”.
Os amantes se encontram e falam, ele pede para ela não o procurar mais, no fundo querendo evitar que ela sofra pelo seu amor, ela tinha se munido de uma serie de diamantes que os oferece , eles os aceita com o propósito de que aquela fortuna pudesse facilitar sua fuga.
Ela confessou para ele a sua traição, ele atirando-se sobre ela e aos gritos de mostro começo a golpeá-la com suas correntes. O Capelão se interpôs evitando uma agressão maior, ele atirou os diamantes no chão e os dois se separaram para sempre.
Ela ficou aniquilada, voltou a Roma e acabou se casando com o príncipe Livio Savelli.
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Reflexões finais, o amor de eles dois não fracassou por que eles não se amaram no final a historia fracassa porque ele queria uma relação com uma parceira que incorporasse sua atividade e sua vida mais ela o queria apenas para sim...
Stendhal sempre é uma experiência enriquecedora.