sábado, 20 de agosto de 2016

Eugene O´Neill e o teatro.


Introdução.

Hoje vamos comentar duas obras de teatro de Eugene O´Neill : O grande Deus Brown e Estranho Interlúdio; duas peças que falam sobre o primeiro amor e sobre o passado determinando a existência . Durante a resenha vamos apreciar recursos literários e o uso de máscaras que mostram como o autor pode iluminar o mundo interior dos personagens tornando a ficção mais ampla.

A vida.

Eugene O’Neill  (EE.UU 1888-1953)
Até os 23 anos Eugene O´Neill  viveu uma vida dura, tal vez  no seu encontro com experiências extremas  foi que ele pode aprender a  conhecer a alma humana e desenvolver um olhar lúcido e agudo que lhe poderia permitir mas tarde construir os personagens que habitam na suas obras.
Nasceu no meio teatral, muito novo se embarcou como marinheiro e conheceu Argentina. Sem dinheiro viveu como desabrigado e alcoólatra num bairro próximo ao porto de Buenos Aires, do mesmo modo conheceu o submundo do sul da África, Nova Iorque e Liverpool na Inglaterra.
As leituras de Ibsen, Nieztche e Dostoiévski o inspiraram a escrever. Foi um ator, diretor e dramaturgo; sofreu tuberculose, mas a vida o consagraria aos 32 anos com prêmio Pulitzer e aos 48 com o Nobel de literatura.
Jorge Luis Borges no prólogo da edição argentina  comenta que O´Neill  compreendeu que o melhor instrumento que lhe foi dado aos homens para inovar e renovar é a tradição, não para  servilmente repetir-la ou copiá-la  mas para que  ela seja ramificada e enriquecida.

 A narrativa de O´ Neill .

Elementos da literatura que orientam a direção dos atores.
O´ Neill se propõe mostrar um teatro novo, uma dramaturgia onde apareça aos olhos do espectador como os processos internos convivem com as atitudes externas dos personagens . Como todo um mundo tácito de pensamentos, lembranças, avaliações, culpas ou reflexões coexistem com os atos, com o mundo visível, fatual no qual vivemos.
Para isso introduz o recurso da máscara ou inclui longos solilóquios dos personagens - técnica narrativa completamente inovadora na época-.
Com esta saída, ao mesmo tempo em que descreve o mundo paralelo dos personagens, ao trazer novas perspectivas para o leitor-ouvinte; reforça a orientação para o ator ou para o diretor no sentido de indicar o que ele acha correto em relação da postura dramática, o olhar, a atitude corporal ou a sensação adequada que ele quer para aquela cena.
Por exemplo, na peça O grande Deus Brown coloca entre parêntesis as indicações: “ querendo mudar de assunto para que as palavras sejam menos ásperas....com um sorriso forçado” ou em outra ocasião: “ olhando-la com dolorida incredulidade”.

O cenário.

O’Neill também descreve cenários com muita precisão, com um exagerado detalhe realista, aqui como apresenta  o cenário da casa onde transcorre a peça Estranho Interlúdio: “ As paredes estão forradas, quase até o teto, de estantes protegidas por vidros. As estantes se acham repletos de livros, principalmente de edições- muitas delas velhas e raras- “.
Ele cria uma atmosfera intima para um aposento  trazendo pormenores pessoais dos personagens enriquecendo a cena.

A dinâmica do relato.

O’Neill tem um mérito importante como escritor ele conhece a importância do ritmo narrativo, as obras tem dinâmica e crescendo que otimizam a descrição  dos fatos.
No Grande Deus Brown se chega a um ponto alto dramático quando Dion morre e sua mulher o procura em quanto que  Brown se faz passar por ele em um jogo vertiginoso de entradas e saídas de um escritório de trabalho.
Na peça Estranho interlúdio o clímax se atinge no final de uma competição de remo na qual os espectadores chegam a um êxtase de ebulição.

A questão da máscara.

Por último queria comentar em esta introdução como em estas duas obras aparece o conceito de máscara de forma diferente: Em quanto no Grande Deus Brown os personagens usam efetivamente uma máscara que duplica seu rosto no Estranho interlúdio a máscara não é explicita, mas aparece como um discurso narrativo mostrando o eu interior o que secretamente pensavam os protagonistas.
Nas duas peças a máscara aparece para esconder o “eu verdadeiro” em oposição a um “eu social” inclusive em algumas encenações na hora do discurso  para si, no Estranho interlúdio os personagens se colocaram efetivamente uma máscara para diferenciar a fala interna da da externa.
No final do Grande Deus Brown , por exemplo,  o recurso da máscara extrapola o sentido “mundo interno-externo” e em determinado momento o protagonista usa a máscara do morto para se fazer passar por ele perante a viúva.
Borges conclui que a  O´Neill sempre o inquietaram as máscaras e as usou a seu modo que nunca tinha suspeitado nem os gregos nem o teatro Nõ.

As  peças em questão.

Hoje vamos comentar duas peças dele: O grande Deus Brown(1926) e o Estranho interlúdio  (1927).
O grande Deus Brown é uma tragédia onde o autor narra o triangulo amoroso e seu percurso na vida dos personagens Brown-Dion e Margarita e o Estranho Interlúdio é um drama no qual  O´Neill descreve a vida de Nina ,uma mulher atraente, e sua relação com seis homens: seu pai, seu primeiro namorado, um amigo, o pai de seu filho, seu marido e seu filho.

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O grande Deus Brown.

Sinopse.

Trata se da historia de dois homens, um exitoso, materialmente realizado, o empresário Billy Brown; o outro, Dion, um homem que se casa com a mulher que Brown deseja Margarita.  Em contraste com a personalidade segura de Brown, Dion é uma pessoa atormentada e espirituosa; uma quarta protagonista é Cybell (Sibila), nome que remete as sacerdotisas ou profetizas romanas, é uma personagem que se articulam entre os dois. Dion morre e Brown tenta se fazer passar por Dion (isto
ocorre com um  jogo de máscaras)  para ter o amor de Margarita mas fracassa.

A máscara.

Eugene O´Neill escreve  esta peça de teatro e coloca em cada ato uma máscara com seu próprio rosto, com este recurso duplica de algum modo cada personagem trazendo um lado externo, epidérmico, social e outro próprio.
Os dois lados são reais e os dos representam a mesma pessoa, inclusive eles podem se fazer passar pelo outro se pegam e se colocam sua máscara.

Aqui parte de uma fala de Dion que reflete indiretamente sobre a questão da máscara: “Hora de existir! Hora de aprender a fingir!  Cobre tua nudez! Aprende a mentir! Se une com a procissão! Se envergonha ! “.

Perolas.

 Em um determinado momento da trama, quando Dion observa suas inquietações e se debate intuindo o amor que senti por Margarita diz:
“Por que tenho medo de dançar, eu que amo a música e o ritmo e a graça e a canção e o riso? Por que tenho medo de viver, eu que amo a vida e a beleza da carne e as cores vivas da terra e o céu e o mar? Por que tenho medo de amar, eu que amo o amor?”
Aqui  outro texto do personagem Dion : “ O amor é uma palavra, o fantasma desavergonhado e  andrajoso de uma palavra que mendiga em todas as portas”...
“Aqui Dion reflete sobre a arte e sobre si mesmo afirmando que sua própria arte não passa de uma falácia: ”Para mim a arte é tal que isto vai parecer ter uma mera finalidade burguesa  respeitável como os suspensórios de um deputado! Só a mim esta pomposa fachada vai me revelar seu verdadeiro rosto, o fatigado gesto irônico de Pan que, que com os ouvidos cansados pelo desmaiado zumbido de ontem e de amanhã, escuta sem forças as leis aprovadas pelas suas próprias pulgas para escravizá-lo“.  

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Estranho Interlúdio.

Ao longo dos seus nove atos a peça narra a trajetória  de seus personagens caminhando  durante  mais de 20 anos entre segredos, desejos e triângulos amorosos incluído uma presença onipresente (a do Gordon, namorado de Nina morto na guerra) como um paixão que acaba determinando o caminho da historia.

Sinopse.

O´Neill  relata o percurso de toda uma vida tendo como eixo as relações amorosas de um personagem feminino.
Nina Leeds é uma jovem sedutora que após a morte do seu namorado (Gordon Shaw) fica para o resto da sua vida obsessiva tentando reconstruir sua afetividade com relações substitutas.
Primeiro se recolhe em um hospital de reabilitação de feridos de guerra, segundo se casa com Sam Evans para ter um filho e suprir seu amor passional pelo amor materno, Charles Masden (escritor amigo da família) acompanha a trama desenvolvendo um amor silencioso por Nina.
A mãe de Sam interfere dizendo que um filho com Sam seria um risco porque a família toda sofre de problemas mentais o que faz que Nina decida  abortar o filho de Sam e , sem se separar dele, tenha um filho com Ned Darrell, médico e amigo de Sam , isto para evitar ter um filho problemático e ao mesmo tempo, realizar seu desejo maternal.
O plano fracassa porque o encontro sexual  com Ned não foi apenas higiênico, destinado a fines de reprodução; Nina e Ned se apaixonam e assim cresce um circulo erótico que inclui Nina como centro mais seu marido, seu simpatizante e a presença sempre ativa de Gordon Shaw no imaginário e no real da sua vida erótico-afetiva.
No desenlace da trama morre Sam (eterno substituto de Gordon) e Nina ao invés de confirmar sua relação clandestina com Ned acaba preferindo uma vida pacata ao lado do Charles (seu admirador-amigo- quase pai).
Pérolas.
Em um determinado momento um dos personagens (Charles), que é quem acaba se casando com Nina, relata em um discurso o efeito do amor na sua literatura: “Eu sempre fui um suave sussurrante de mentiras....Agora vou proferir um alarido sincero e são...a ascender o sol nas sombras das mentiras....a gritar- Esta é a vida e isto é o sexo e aqui esta paixão e o ódio e a dor e o êxtases e estes são homens e mulheres e filhas cujos corações são fracos e fortes, cujo sangue é sangue e não um xarope sedativo-”.
Charles sugere num dos diálogos finais a cena do casamento: “Terá que ser na hora que precede ao crepúsculo, quando a terra sonha com coisas tardias e com místicos pressentimentos da beleza da vida”. Dentro da mesma cena Nina revela o significado do título da peça na frase: "As nossas vidas são interlúdios estranhos e escuros no fazer criativo de Deus pai!".
Para finalizar com este ponto citamos aqui um pensamento do  Ned referindo se ao que verdadeiro e falso: “Si se despedaça uma mentira os pedaços são a verdade”.

O Estilo.

Um dos pontos de destaque da peça é esse jogo que O´Neill propõe dando ao leitor a possibilidade de ter acesso aos pensamentos intimos dos personagens, para além de suas falas diretas, o que torna qualquer encenação um desafio e tanto. 
A crítica enfatiza o acontecimento de que o  leitor acessa o hiato entre o que os personagens dizem e o que pensam secretamente, o que os torna quase monstruosos perante ele, por revelarem suas fraquezas e mesquinharias sem a censura que se permitem quando dialogam entre si. 
Encenações.
Recriada no Teatro e na grande tela a peça teve até um filme na Holliwod nos anos 30 protagonizado por Clatk Gable chamado  Estrange Interlude, no Brasil Mentiras da Vida.

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Final

Fica aqui  esta apresentação na forma de sugestão de leitura de estas duas belíssimas peças, seguiremos com O´Neill em outra resenha trazendo  A Eletra lhe cai bem o luto junto com o mito grego nas peças de Esquilo e Sófocles.