sábado, 24 de janeiro de 2015

A historia do principe Agib

As mil e uma noites.

“Os  séculos passam e a gente continua escutando a voz de Schabrázád”
                                                                                                                                                                                                        J.L.Borges.

Sempre regressando ao livro como uma fonte inesgotável de sonhos e de inspiração, sempre volto ao assunto de que o tipo de narrativa das “mil e uma noites”parece pertencer a  um estilo feito para ser contado oralmente, nada parecido com a prosa atual... Como algo que sugere outro mundo ou  outro modo de viver no mundo.
Em relação às formas narrativas que aparecem nas “mil e uma noites”, parece que estamos na frente de aquelas bonecas russas (Matryoshka) onde uma boneca se encaixa dentro da outra porque de um relato se bifurcam seis contos e dentro de cada um deles teremos pelo menos mais três outros relatos inerentes parecendo  com aqueles corredores, meio labirintos que encontramos nos becos e nas ruelas dos países árabes.
Queria comentar um dos contos que re-descobri... O encontrei numa recopilação feita por Jorge Luis Borges  publicada na Argentina  em um dos volumes ( o numero 52) do que se chamou a “Biblioteca pessoal de Borges”...a seleção dos contos para esta edição foi feita por A.Gallard.
Vou me referir a um conto inserido em uma narração maior chamada de “Historia dos três calendas, filhos de reis e das cinco damas de Bagdá” (calendas podemos traduzir aqui por monges...), dentro deste teremos então a história, da qual vamos falar chamada “Historia do terceiro calenda, filho do rei”.

O conto em si...

O príncipe Agib ,o protagonista do conto, naufraga na ilha da montanha negra,  a ilha do grande imã e da estatua de bronze,  adormece na areia e escuta durante um sonho uma voz que o orienta a  liberar ao gênero humano dos males que o ameaçam atirando flechas, que estão enterradas muito perto de onde ele deitava, contra uma estatua de bronze que reinava na cima da montanha...Agib  acorda, obedece a voz , atira contra a estatua de bronze libera ao mundo e na fuga (depois de muitos dias de caminhadas) acha a um jovem príncipe escondido em uma caverna subterrânea, este confessa que existia um premonição dita por astrólogos antes do seu nascimento na qual no dia do seu aniversario de quinze anos (que justamente seria nessa mesma noite) um príncipe chamado Agib, que tinha vencido a estatua de bronze o mataria.
O presságio se cumpre, Agib acidentalmente mata ao jovem ao querer se aproximar e tropeçar sobre ele em quanto oferece uma fruta (pelo destino segurava uma faca na outra mão), depois da fatalidade foge, continua seu percurso até olhar uma luz resplandecente que o atrai, era um castelo de cobre...

A parte do conto que nos interessa falar.

  Agib  encontra a 10 jovens, todos tortos do olho direito, acompanhados de um ancião de alta estatura, conta pra eles sua vida e eles oferecem um jantar ...bebem, comem e depois do jantar Agib presencia uma cena , no mínimo curiosa, os 10  jovens  (sem olho) se auto punem batendo no peito e repetindo a frase, “ Este é o fruto de nossa ociosidade e de nosso desordem”.
Agib ao cabo de alguns dias de presenciar este espetáculo não se conteve e pediu para que seja revelado o segredo de esta conduta, um dos jovens comentou que nada falaram para não expor ele a sofrer o mesmo mal.
Eles  inclusive advertiram ao Agib que depois de perder o olho direito não poderia ficar com eles porque já teriam alcançado um numero completo.
Agib sem se importar com nada respondeu com firmeza, “me submeto a todas as condições”.
Atendendo ao inquebrantável da decisão os jovens pegaram um carneiro, o degolaram e deram a faca ao Agib falando, “se envolve na pele deste carneiro, fica sozinho neste cômodo, um pássaro enorme entrará aqui e ao acreditar que sois um carneiro te arrebatará no espaço, mais não tenhas medo, ele vai te levar para a cima de uma montanha, lá rompe a pele do carneiro e ele ao te reconhecer te deixará em liberdade, caminha até chegar a um castelo imenso coberto de ouro de pedras preciosas, a porta estará sempre aberta, entra e o que vereis os custará o olho direito como aconteceu com nos”.
Tudo aconteceu como os jovens falaram, o pássaro branco o levou até a montanha, achou o castelo entrou e encontrou noventa e nove portas de sândalo e uma de ouro maciço.
Todas as portas conduziam a jardins e a quartos com moveis magníficos... Entrou numa das portas abertas e viu dentro de um salão a quarenta jovens lindíssimas que o receberam com muita alegria.
“Há tempo que esperamos por um homem formoso como você, somos tuas escravas estamos dispostas a te obedecer no que você deseje”.
Uma delas colocou uma roupa extraordinária nele e o presenteou com perfumes, danças e manjares deliciosos.
O levaram até seu aposento e ele levou consigo aquela que tinha falado em nome de todas, transcorrida a noite as outras trinta e nove entraram no seu quarto e o conduziram até o banho, trocaram as roupas por outras mais impressionantes que as da véspera e assim, de este modo, viveram  um ano inteiro.
Um dia, as doncelas, entraram no seu quarto chorando e falaram que possivelmente não os veriam mais e  que isto dependia do domínio que ele teria de si mesmo.
Elas falaram que são princesas e que ao cabo de um ano são obrigadas a ausentar-se durante quarenta dias devido a certos assuntos que não podiam revelar.
Elas falaram “o ano terminou ontem, antes de sair deixamos com você todas as chaves do palácio, mais recomendamos não abrir a porta de ouro, pois do contrario no voltaria a encontrar-las”.
Agib prometeu obedecê-las e despediriam com lágrimas nos olhos.
A solidão foi imensa mais Agib se distraiu abrindo as portas permitidas descobrindo em cada uma delas um jardim maravilhoso, árvores frutais, flores surpreendentes, em fim, uma surpresa a cada um dos trinta e nove dias que se sucederam.
Até que no ultimo dia , no dia numero trinta e nove a curiosidade venceu e Agib abriu a porta do sitio proibido, no começo sentiu um sinal, um aroma agradável que tirou a razão e quase o fez desmaiar.
O ambiente estava iluminado por mil bugias e o chão coberto de açafrão, no meio de um pátio tinha um cavalo preto imponente, dos mais belos e raros que ele jamais tinha visto.
Montou ele e o cavalo o levou pelo espaço subindo e descendo a grande velocidade até jogar-lo contra o chão. O cavalo se aproximou encosto o rabo no seu rosto e arrancou o olho direito saindo de cena imediatamente.
Agib dolorido pela perda do olho saiu do salão proibido e encontrou aos dez jovens e ao ancião que não se surpreenderam com aquela triste situação.

Reflexões.

Interessante destacar como a narração brinca com o tempo, por um lado esta narração fabulosa transcorre em um ano e por outro lado parece que tudo apenas aconteceu em uns instantes.
Tempos paralelos, algo com o qual brinca também Cortazar no conto “O Perseguidor”.
O tema em questão é como o ser humano se atrai por aquilo que  é proibido... Como o homem a partir de aquilo que chamamos de curiosidade é instigado, provocado por aquilo que lê esta interditado ao ponto de não resistir a tentação e bater na porta justamente de aquilo que lê foi oculto, que será a causa da sua desgraça e da punição pela sua imprudência.
O tema , como o ser humano desde Adão e Eva vem repetindo desacertos a partir de escolhas que apenas obedecem a sua leviandade e a sua falta de compostura.
Deixo com vocês este conto inesquecível.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A grande Arvore.
                                                        “adonde van los pájaros perdidos”.
                                                                                                                                Mario Trejo

Nos anos de 1500 (acredito eu) no estado de Anarap , numa aldeia chamada Iavi,  não muito perto  da  barulhenta cidade  de  Abitiruc , morava uma linda moça que  durante as tardes  sabia frequentar um  esplêndido vale.
Estando naquele prado de ervas e de pássaros silvestres aliviava seu coração e se entregava a descansar placidamente recostada num único arvore colossal que reinava soberano naquele vazio de aromas e de prazeres singelos.
A tarde serena foi testemunha das duas presenças; ela bela, sorridente, plena e ao seu lado uma arvore frondosa, verde, viva que imperava intensa no centro daquele paraíso inabitado.
Durante anos e anos ela descia ao vale sozinha para se recostar feliz na sombra daquela arvore generosa e assim contemplar distraída  o decair da tarde ...ocorreu deste modo durante muito tempo até que um dia , um entre tantos outros, ela escuta uma voz  saindo do nada, uma voz límpida tentando falar com ela... Olha para todos os lados, não tinha ninguém mais que ela e a arvore na vastidão daquele horizonte... a sua primeira reação foi de medo  e de assombro.
A voz a chamou pelo seu nome, “Edeila!”, Perguntou uma vez, “Edeila!” Perguntou duas, a terceira ela respondeu, “quem é você? Porque não aparece para que eu possa perder o susto que estou sentindo e poder te responder? Como sabe meu nome?”.
A voz falou, “sou a própria alma da arvore que tantas vezes te acolheu”... Ela surpresa frente ao fenômeno que se apresentava ficou emudecida numa mistura de assombro e de receio...
“Vou me apresentar, mais antes (prosseguiu a Arvore), olha detrás de ti, tenta achar uma argola”, ela olhou entre as raízes da magnífica arvore e encontra uma argola de metal pesado que nunca tinha estado ai nesse tempo todo.
“Encontrei ela (diz Edeila) e agora que tenho que fazer?”
A grande Arvore respondeu, “puxa da argola e entra no palácio”... Edeila puxou da argola e imediatamente  se abriu uma tampa de madeira maciça que introduzia para o inicio de uma escada, Edeila desceu os degraus quando seus olhos assistiram a um espetáculo que ela nunca tinha visto na sua vida.
Edeila se viu numa casa real, que não parecia ter sido edificada pelas mãos humanas, a casa na realidade era um palácio tão opulento e magnífico como jamais ela poderia ter imaginado, o teto era de madeira de cedro e de marfim maravilhosamente esculpido com detalhes em ouro puro, nas paredes mosaicos com desenhos de animais em prata e pedras preciosas, o piso de um mármore imaculado.  A beleza arrebatadora do palácio deixou a Edeila sem saber por onde começar a apreciar porque a cada momento surgiam mais e mais imagens majestosas, o ambiente parecia brilhar pelo resplendor que surgia do ouro, da prata e da luminosidade das pedras.
Com um pouco de ousadia entrou  no umbral do palácio até que familiarizada aos poucos com a vastidão dos corredores e dos tesouros que ai se encontrava foi se sentindo mais confiante até que, em um determinado momento, o silencio foi interrompido por uma voz sem corpo que diz,
«¿Por que te espantas, com tantas riquezas? , (a Arvore continua), “estou aqui para que me conheças e ao mesmo tempo para tentar retribuir à companhia que me faz todas as tardes te presenteando com a realização de um pedido”.  Edielc voltando em sim, sem especular entre escolhas de tesouros ou de outra natureza responde de forma categórica, “meu pedido? quero conhecer um homem especial!”.
A Arvore falou “para isso preciso que você declare voto de fidelidade, de carinho e que me prometa que vai ser leal até o final com ele para assim eu poder te colocar este homem do teu lado”.
 Edeila aceito o acordo com a Arvore e acolheu o voto de manter de fidelidade e as mostras de afeição se de verdade fosse colocado na sua vida um homem realmente especial.
A Arvore respondeu “ele vai te conhecer acidentalmente e aos poucos vai tentar se aproximar, aceita ele num primeiro momento, se afasta depois e me conta”.
A Arvore pareceu se dirigir a algumas pessoas do seu serviço no palácio e ordenou, por favor, preparem duas aves nobres para o jantar mais só serve quando eu te indicar.

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Dias depois ela voltou a se comunicar com a Arvore, abriu novamente a porta da argola, entrou de novo no palácio e falou ao esmo “ele me encontro, quis se aproximar de forma um pouco impudica mais depois conseguimos nos achegar melhor, penso que as alternativas são favoráveis”..
A Arvore falou “Ele agora vai resistir teu amor mais você aos poucos vai conquistar o amor dele”.
Ela falou, “vou amar ele e mostrar que podemos ser felizes, estou certa de que vamos ficar juntos”.
Os dias passaram, o vale estava lindo, nele pássaros raros mostravam seus trinos ao céu, as cigarras realizavam um coral de sons díspares, as nuances de verdes aqueciam  um cenário esplêndido donde tudo era alegria e onde flutuava no ar a voz íntima de Edeila murmurando no ouvido do seu amado, “sente...me sentes? sou tua meu Amor, sou  toda tua”.
Assim  Edeila seu homem especial passaram dias e noites felizes se amando apaixonadamente, escutando musicas fabulosas, olhando divinas imagens, se enchendo de carinhos e de beijos embaixo dos cuidados do Deus Cupido, até que meses depois do primeiro encontro a nuvem negra da dúvida  e do desejo cobiçoso sepultou sua flecha envenenada no  coração  dela e a partir desse momento começou a ser vivida uma realidade algo diferente ... passaram semanas de desconforto e Edeila apresentou-se ante a grande Arvore  falando, “Oh, grande Arvore queria te confessar algo, não sei o que esta acontecendo comigo mais estou confusa, acho que estou com medo de amar”.
A Arvore respondeu, “para de ser medrosa, o amor só se dá nas pessoas que tem a coragem deixa o tempo decidir o teu destino, nada teme”.
Ela respondeu , “não consigo, sinto que fico muito amedrontada tenho medo de perder-lo”.
A Arvore diz, “mais não estamos ante a iminência de um epílogo, de onde surge isto agora?”.
Ela respondeu, “Sabe, ele mora longe, é muito diferente de mim e inclusive tem outras coisas”.
“ Você sabia disso desde o começo ademais que more longe,   não é  um impedimento para o amor,  em relação a que são desiguais, posso te segurar que as diferenças alimentam o universo individual das pessoas, mais, me conta quais são as outras coisas que estão te fazendo  sentir vontade de deixá-lo ?” perguntou a Arvore.
“Ele usa mascaras e disfarces” ela respondeu.
A Arvore diz, “pode ser que queira te colocar a prova ou que queira obter alguma informação que seguramente você não iria a confessar por própria iniciativa, no essencial ele foi integro e sincero com você”.
“Sim ele foi mais sabe, ele falou pra mim que se eu quiser posso ir embora, o achei rude” diz Edeila
A grande Arvore respondeu, “pode ser que ele se sinta ameaçado e queira desfazer uma chantagem com essa resposta”.
Primeiro Final 
Ela , perguntou de novo, me fala Grande Arvore ele me convidou para um encontro derradeiro, que debo fazer?
A Grande Arvore respondeu, "teu coração manda". 
Edeila falou "vou dar uma chance pra esse moço, gosto dele".
Nesse preciso momento, as luzes ascenderam a grande Arvore fez um sinal para seus mordomos servirem um jantar para três agora, o Homem Especial entrou na Grande Arvore. e sentou na mesa,
A linda moça parece ter acordado de uns instantes de sonolência na primeira tarde que conheceu a grande Arvore do vale.
Segundo Final 
Ela , usando um tom distante  falou por última vez “para mim morreu, eu quero esquecer-lo, seduzir outros homens, quero paquerar, quero que  me esqueça...Le falo mais , por mim,  se for preciso que leve até choque para ver se  acorda ..quero que me deixe em paz, que abra os olhos ...Ficou claro?”.

Nesse preciso momento, as luzes se apagaram, a grande Arvore fez um sinal para seus mordomos servirem o jantar apenas pra ele, o palácio desapareceu e a linda moça parecia ter acordado de uns instantes de sonolência na primeira tarde que conheceu a grande Arvore do vale. 


Roberto Rutigliano, verão de 2015

sábado, 3 de janeiro de 2015

Borges e o jardim das sendas que se bifurcam

O jardim das sendas que se bifurcam


Publicada em 1944 dentro do livro intitulado Ficções a obra tem um prólogo do próprio Borges onde comenta, “el jardin de los senderos que se bifurcan” É um policial, seus leitores poderão assistir a uma execução e a todos os preliminares de um crime do qual não ignoram o propósito mais nada poderão compreender , eu acho, até o último parágrafo .
O argumento
No conto encontramos a um Borges filosófico que coloca questões relativas ao tempo dentro de um contexto de romance policial (como ele mesmo citou) ou se preferem de um conto de suspense e espionagem onde parece que tudo esteja determinado como em uma espécie de destino fatal do qual ninguém pode sair.
Primeiro Relato
 Yu Tsun, espião oriental ao serviço dos alemães durante a primeira guerra mundial, foi descoberto pelo seu rival, o capitão inglês Richard Madden.
Yu Tsun foge para tentar fazer chegar ao seu chefe em Berlin o seu ultimo serviço de espião, revelar o nome do lugar onde se encontra o novo parque de artilharia britânico sobre o Ancre.
Para tentar transmitir a informação Yu Tsun viaja, desde Londres a um lugar perto de Ashgrove, na casa do doutor Stephen Albert.
A escolha da visita tem algo de acaso mais a ideia seria matar a Stephen Albert para que o seu nome, que coincide com o nome do lugar onde fica a artilharia, seja publicado nos jornais e assim o seu chefe em Berlim possa receber a informação publicada a partir de um acordo de códigos que eles tinham prefixado.
Segundo Relato
Yu Tsun tinha escolhido ao acaso, na guia telefônica o nome de Stephen Albert para cumprir sua missão mais quando chega a casa dele para executá-lo descobre que, Stephen Albert ha dedicado sua vida a descobrir o misterioso sentido de uma obra genial de T’sui Pên , antepassado do próprio  Yu Tsun ,“O jardim das sendas que se bifurcam”  que consta de um romance e de um labirinto. Albert (um erudito) lê revela ao Yu o fim de seus avanços sobre o romance e o labirinto, comenta como o livro que seu antepassado escreveu ficou incompreendido por conta do desconhecimento de uma clave (sugerida pelo labirinto) .
Yu Tsun, ameaçado pelo seu carrasco e decidido a cumprir a sua missão mata a Stephen Albert,  o crime ganha a esperada notoriedade , consegue ser publicado e assim transmitir a mensagem para os alemães que com a informação em mãos destroem o parque da artilharia inglesa.
O verdugo de Yu Tsun, o capitão Richard Madden finalmente prende ao espião assassino e o romance chega ao fim.

Algumas questões ligadas ao tempo
Numa determinada ocasião Yu Tsun refletiu sobre a determinação de realizar o ato atroz que teria que cumprir e diz, “O executor de una empresa atroz deve imaginar um porvir que seja irrevogável como o passado”. Aqui temos três momentos: passado-presente-futuro, que o protagonista, Yu Tsun, há de viver. Borges coloca na consciência presente do personagem o futuro como um passado sem volta. O futuro como algo irrevogável ou fatal.
A segunda questão que podemos citar é quando o Stephen Albert (o erudito) descreve a obra de T 'sui Pên ao Yu Tsun, o autor teria se retirado da suas ocupações e depois de 13 anos para escrever um livro que ninguém entende e constrói um labirinto que ninguém vê.
Se descobre que o labirinto é apenas uma clave, algo imaterial ligado a uma noção de tempos que se bifurcam e assim a obra seria elucidada a partir de um caos narrativo aparente que incorpora possíveis encontros ou possibilidades que possam se dar na vida de uma pessoa.
 Num relato normal uma pessoa pode brigar, viajar, morrer, ir ou não para algum lugar , agora pensemos que todas estas chances possam acontecer no texto, que não se eliminem entre sim. Pensemos a partir deste conceito de probabilidades múltiplas do tempo  e que isto seja a chave para ler um romance  reproduzindo a multiplicidade e não um seqüência dos fatos .
Aqui Borges esta encarando uma discussão filosófica para falar sobre o tempo como algo não linear, não como algo uniforme e absoluto ( como o pensavam Newton e Schopenhauer ) se refere ao labirinto imaterial criado pelo T 'sui Pên nestes termos “ Pensei num labirinto , em um sinuoso labirinto crescente que abarca o passado e o porvir”.
Agora vou citar um trecho do livro para colocar melhor a questão, “Acreditava em infinitas series de tempos, em uma rede crescente e vertiginosa de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Essa trama de tempos que se aproximam se bifurcam , se cortam ou  secularmente se ignoram, abarca todas as possibilidades. Não existimos na maioria destes tempos, em alguns existe você e não eu; em outros eu, mais não você; em outros , os dois.
Em este, que um favorável azar me depara, você há chegado à minha casa; em outro, você ao atravessar o jardim, me encontrou morto; em outro eu pronuncio estas mesmas palavras, mais sou um erro, um fantasma”.
Vemos como essa idéia de labirinto esta orientando uma possível narração onde podem entrar muitas opções ou desenlaces de um fato, daí a incompreensão do texto do T 'sui Pên.
Como vemos em todas as ficções cada vez que um homem se enfrenta com diversas alternativas, opta por uma e eliminam as outras, na do  T 'sui Pên, opta simultaneamente por todas. Cria assim diversos porvir, diversos tempos que também proliferam e se bifurcam.

A frase final, guardada no manuscrito original do T 'sui Pên  define também esta perspectiva , “deixou aos porvir (não a todos) meu jardim de sendas que se bifurcam”.
Muitos estudiosos e filosofos como Fucault e Delleuze ficaram impactados pelo relato de Borges e dedicaram estudos e textos que sem ser definitivos alimentam essa perspectiva circular que o autor propõe com a idéia dos labirintos.
“El jardin de los senderos que se bifurcan” , uma obra magnifica.


quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Borges,homem da esquina rosada.

Homem da esquina rosada

Borges tinha algumas obsessões....os tigres, os labirintos, o conto das mil e uma noites, o tempo, o mundo do tango... deste ultimo tema surgem poemas ( o Tango, ”uma mitologia de punhais  lentamente se anula no esquecimento”), letras de músicas  (“Me lembro foi em Balvanera , em uma noite passada, que alguém deixou cair o nome de um tal Jacinto Chiclana”) e este conto magnífico.
Nele se conta uma historia ambientada numa  espécie de Far West argentino, um mundo de “compadritos” (malandros) que vivem se desafiando a ponta de faca sem motivos aparentes só pelo desafio mesmo , no final  para provar quem é o homem mais valente que o outro.
Francisco Real diz  para o desafiado ,“Andam por aí uns loroteiros dizendo que nestas paragens há um, que chamam de Pegador, que tem fama de riscar a faca e de durão. Quero encontrá-lo pra que me ensine, a mim que sou ninguém, o que é um homem de coragem de se ver”.
O tom.
Borges nunca escreve em linguagem coloquial mais neste caso ele se aventura a incorporar palavras e gestos do baixo mundo, dos prostíbulos e dos ambientes marginais de um Buenos Aires suburbano de começo de século XX, em espanhol, “guacha”, “pendejo” (“vagabunda”, “pentelho”)  são expressões que realmente não fazem parte do  vocabulário sofisticado e erudito do autor, mais neste caso respondem a uma lógica , servem  fortalecem o retrato da realidade do lugar,  algo que Cortazar dizia : ‘tem coisas que  tem que ser ditas com as palavras que precisam serem ditas, do contrario ou nada se diz ou não se expressa aquilo que tem ser se expressar’.
A historia.
Um homem é chamado a lutar para medir forças  com um outro  desconhecido, desiste da luta e o vencedor acaba sendo morto por um espectador insignificante (o narrador) que termina sendo o próprio herói do conto.
O ambiente e os personagens.
Parece que o grande assunto do conto é retratar o ambiente, fazer uma pintura da época, o salão de Julia (um bordel),  retratar aos personagens que alimentam a atmosfera,  Francisco Real, apodado O Corralero o desafiante , Rosendo Juárez, conhecido como O Pegador, o desafiado, o narrador central (um jovem insignificante), A Lujanera (uma mulher bela e cobiçada), um músico cego, a lua, o rio, as roupas, os chapéus, o linguajar .
Homem da esquina rosada
O narrador é o homem da esquina rosada, assim como acontece com o personagem central do livro de Dostoievski “memórias do subsolo” ,estamos frente a um personagem sem nome e com rasgos de uma existência insignificante, um homem ressentido de sua pequenez e do seu lugar secundário no mundo, num momento ele fala “como se nem pra catar bugigangas a gente prestasse”.
Mais este personagem miúdo acaba por obra de sua indignação de ver ao seu herói, Rosendo Juárez, humilhado,de ver a La Lujanera , a mulher que todos desejavam nos braços de um forasteiro , toma coragem mata ao desafiante e fica com a Lujanera se transformando assim de um infeliz em num herói ,” Senti depois que quanto mais aporrinhado o bairro, maior a obrigação de ser bravo”. 
Borges diz
 Há quarenta anos cometi a imprudência de escrever um conto titulado O homem da esquina rosada, o tema é este , um desconhecido chega a um bairro longe do seu, um bairro perdido no oeste de Buenos Aires e desafia a outro a duelar com ele.Agora quando escrevi esse conto tive um propósito visual inspirado nos contos de Stevenson e de Chesterton. Pensei que seria curioso aplicar a matéria prima marginal a uma técnica, uma técnica que quer que cada cena tenha a sensação de ser vivida, quero dizer que todas as coisas ocorram como num ballet, (inclusive há pouco tempo se fez um ballet com o argumento do homem da esquina rosada) Agora no conto , precisava que a provocação fosse brusca. E assim O Corralero entra no salão do baile e provoca bruscamente ao líder local que se chama acredito Rosendo Suaréz

O Filme

Existe algins filmes, peças, ballet mais o filme mais consagrado é de 1962 dirigido por René Mugica, o autor muda o roteiro e inclui um motivo para a provocação da briga e um contexto histórico maior.