As mil e uma noites.
“Os séculos passam e a gente continua escutando a
voz de Schabrázád”
J.L.Borges.
Sempre regressando
ao livro como uma fonte inesgotável de sonhos e de inspiração, sempre volto ao
assunto de que o tipo de narrativa das “mil e uma noites”parece pertencer a um estilo feito para ser contado oralmente,
nada parecido com a prosa atual... Como algo que sugere outro mundo ou outro modo de viver no mundo.
Em relação
às formas narrativas que aparecem nas “mil e uma noites”, parece que estamos na
frente de aquelas bonecas russas (Matryoshka)
onde uma boneca se encaixa dentro da outra porque de um relato se bifurcam seis
contos e dentro de cada um deles teremos pelo menos mais três outros relatos
inerentes parecendo com aqueles
corredores, meio labirintos que encontramos nos becos e nas ruelas dos países
árabes.
Queria comentar um dos contos que re-descobri... O encontrei numa recopilação feita por Jorge Luis Borges publicada na Argentina em um dos volumes ( o numero 52) do que se chamou a “Biblioteca pessoal de Borges”...a seleção dos contos para esta edição foi feita por A.Gallard.
Queria comentar um dos contos que re-descobri... O encontrei numa recopilação feita por Jorge Luis Borges publicada na Argentina em um dos volumes ( o numero 52) do que se chamou a “Biblioteca pessoal de Borges”...a seleção dos contos para esta edição foi feita por A.Gallard.
Vou me
referir a um conto inserido em uma narração maior chamada de “Historia dos três calendas, filhos de reis
e das cinco damas de Bagdá” (calendas podemos traduzir aqui por monges...),
dentro deste teremos então a história, da qual vamos falar
chamada “Historia do terceiro calenda,
filho do rei”.
O conto em si...
O príncipe Agib ,o protagonista do conto,
naufraga na ilha da montanha negra, a
ilha do grande imã e da estatua de bronze, adormece na areia e escuta durante um sonho
uma voz que o orienta a liberar ao
gênero humano dos males que o ameaçam atirando flechas, que estão enterradas
muito perto de onde ele deitava, contra uma estatua de bronze que reinava na
cima da montanha...Agib acorda, obedece
a voz , atira contra a estatua de bronze libera ao mundo e na fuga (depois de
muitos dias de caminhadas) acha a um jovem príncipe escondido em uma caverna subterrânea,
este confessa que existia um premonição dita por astrólogos antes do seu
nascimento na qual no dia do seu aniversario de quinze anos (que justamente
seria nessa mesma noite) um príncipe chamado Agib, que tinha vencido a estatua
de bronze o mataria.
O presságio se cumpre, Agib
acidentalmente mata ao jovem ao querer se aproximar e tropeçar sobre ele em
quanto oferece uma fruta (pelo destino segurava uma faca na outra mão), depois
da fatalidade foge, continua seu percurso até olhar uma luz resplandecente que
o atrai, era um castelo de cobre...
A parte do conto que nos interessa falar.
Agib encontra a 10 jovens, todos tortos do olho
direito, acompanhados de um ancião de alta estatura, conta pra eles sua vida e
eles oferecem um jantar ...bebem, comem e depois do jantar Agib presencia uma
cena , no mínimo curiosa, os 10 jovens (sem olho) se auto punem batendo no peito e
repetindo a frase, “ Este é o fruto de nossa ociosidade e de nosso desordem”.
Agib ao cabo de alguns dias de presenciar
este espetáculo não se conteve e pediu para que seja revelado o segredo de esta
conduta, um dos jovens comentou que nada falaram para não expor ele a sofrer o
mesmo mal.
Eles inclusive advertiram ao Agib que depois de
perder o olho direito não poderia ficar com eles porque já teriam alcançado
um numero completo.
Agib sem se importar com nada respondeu
com firmeza, “me submeto a todas as condições”.
Atendendo ao inquebrantável da decisão os
jovens pegaram um carneiro, o degolaram e deram a faca ao Agib falando, “se
envolve na pele deste carneiro, fica sozinho neste cômodo, um pássaro enorme
entrará aqui e ao acreditar que sois um carneiro te arrebatará no espaço, mais
não tenhas medo, ele vai te levar para a cima de uma montanha, lá rompe a pele
do carneiro e ele ao te reconhecer te deixará em liberdade, caminha até chegar a um castelo
imenso coberto de ouro de pedras preciosas, a porta estará sempre aberta, entra
e o que vereis os custará o olho direito como aconteceu com nos”.
Tudo aconteceu como os jovens falaram, o
pássaro branco o levou até a montanha, achou o castelo entrou e encontrou
noventa e nove portas de sândalo e uma de ouro maciço.
Todas as portas conduziam a jardins e a
quartos com moveis magníficos... Entrou numa das portas abertas e viu dentro de
um salão a quarenta jovens lindíssimas que o receberam com muita alegria.
“Há tempo que esperamos por um homem
formoso como você, somos tuas escravas estamos dispostas a te obedecer no que
você deseje”.
Uma delas colocou uma roupa
extraordinária nele e o presenteou com perfumes, danças e manjares deliciosos.
O levaram até seu aposento e ele levou consigo
aquela que tinha falado em nome de todas, transcorrida a noite as outras trinta
e nove entraram no seu quarto e o conduziram até o banho, trocaram as roupas
por outras mais impressionantes que as da véspera e assim, de este modo, viveram
um ano inteiro.
Um dia, as doncelas, entraram no seu quarto chorando e
falaram que possivelmente não os veriam mais e que isto dependia do domínio que ele teria de si
mesmo.
Elas falaram que são princesas e que ao
cabo de um ano são obrigadas a ausentar-se durante quarenta dias devido a
certos assuntos que não podiam revelar.
Elas falaram “o ano terminou ontem, antes
de sair deixamos com você todas as chaves do palácio, mais recomendamos não
abrir a porta de ouro, pois do contrario no voltaria a encontrar-las”.
Agib prometeu obedecê-las e despediriam
com lágrimas nos olhos.
A solidão foi imensa mais Agib se
distraiu abrindo as portas permitidas descobrindo em cada uma delas um jardim
maravilhoso, árvores frutais, flores surpreendentes, em fim, uma surpresa a cada
um dos trinta e nove dias que se sucederam.
Até que no ultimo dia , no dia numero trinta e nove a curiosidade venceu e Agib abriu a porta do sitio proibido, no
começo sentiu um sinal, um aroma agradável que tirou a razão e quase o fez
desmaiar.
O ambiente estava iluminado por mil
bugias e o chão coberto de açafrão, no meio de um pátio tinha um cavalo preto
imponente, dos mais belos e raros que ele jamais tinha visto.
Montou ele e o cavalo o levou pelo espaço
subindo e descendo a grande velocidade até jogar-lo contra o chão. O cavalo se
aproximou encosto o rabo no seu rosto e arrancou o olho direito saindo de cena
imediatamente.
Agib dolorido pela perda do olho saiu do
salão proibido e encontrou aos dez jovens e ao ancião que não se surpreenderam
com aquela triste situação.
Reflexões.
Interessante destacar como a narração brinca
com o tempo, por um lado esta narração fabulosa transcorre em um ano e por
outro lado parece que tudo apenas aconteceu em uns instantes.
Tempos paralelos, algo com o qual brinca também Cortazar no conto “O Perseguidor”.
O tema em questão é como o ser humano se
atrai por aquilo que é proibido... Como
o homem a partir de aquilo que chamamos de curiosidade é instigado, provocado
por aquilo que lê esta interditado ao ponto de não resistir a tentação e bater
na porta justamente de aquilo que lê foi oculto, que será a causa da sua
desgraça e da punição pela sua imprudência.
O tema , como o ser humano desde Adão e
Eva vem repetindo desacertos a partir de escolhas que apenas obedecem a sua
leviandade e a sua falta de compostura.
Deixo com vocês este conto inesquecível.
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