sábado, 3 de janeiro de 2015

Borges e o jardim das sendas que se bifurcam

O jardim das sendas que se bifurcam


Publicada em 1944 dentro do livro intitulado Ficções a obra tem um prólogo do próprio Borges onde comenta, “el jardin de los senderos que se bifurcan” É um policial, seus leitores poderão assistir a uma execução e a todos os preliminares de um crime do qual não ignoram o propósito mais nada poderão compreender , eu acho, até o último parágrafo .
O argumento
No conto encontramos a um Borges filosófico que coloca questões relativas ao tempo dentro de um contexto de romance policial (como ele mesmo citou) ou se preferem de um conto de suspense e espionagem onde parece que tudo esteja determinado como em uma espécie de destino fatal do qual ninguém pode sair.
Primeiro Relato
 Yu Tsun, espião oriental ao serviço dos alemães durante a primeira guerra mundial, foi descoberto pelo seu rival, o capitão inglês Richard Madden.
Yu Tsun foge para tentar fazer chegar ao seu chefe em Berlin o seu ultimo serviço de espião, revelar o nome do lugar onde se encontra o novo parque de artilharia britânico sobre o Ancre.
Para tentar transmitir a informação Yu Tsun viaja, desde Londres a um lugar perto de Ashgrove, na casa do doutor Stephen Albert.
A escolha da visita tem algo de acaso mais a ideia seria matar a Stephen Albert para que o seu nome, que coincide com o nome do lugar onde fica a artilharia, seja publicado nos jornais e assim o seu chefe em Berlim possa receber a informação publicada a partir de um acordo de códigos que eles tinham prefixado.
Segundo Relato
Yu Tsun tinha escolhido ao acaso, na guia telefônica o nome de Stephen Albert para cumprir sua missão mais quando chega a casa dele para executá-lo descobre que, Stephen Albert ha dedicado sua vida a descobrir o misterioso sentido de uma obra genial de T’sui Pên , antepassado do próprio  Yu Tsun ,“O jardim das sendas que se bifurcam”  que consta de um romance e de um labirinto. Albert (um erudito) lê revela ao Yu o fim de seus avanços sobre o romance e o labirinto, comenta como o livro que seu antepassado escreveu ficou incompreendido por conta do desconhecimento de uma clave (sugerida pelo labirinto) .
Yu Tsun, ameaçado pelo seu carrasco e decidido a cumprir a sua missão mata a Stephen Albert,  o crime ganha a esperada notoriedade , consegue ser publicado e assim transmitir a mensagem para os alemães que com a informação em mãos destroem o parque da artilharia inglesa.
O verdugo de Yu Tsun, o capitão Richard Madden finalmente prende ao espião assassino e o romance chega ao fim.

Algumas questões ligadas ao tempo
Numa determinada ocasião Yu Tsun refletiu sobre a determinação de realizar o ato atroz que teria que cumprir e diz, “O executor de una empresa atroz deve imaginar um porvir que seja irrevogável como o passado”. Aqui temos três momentos: passado-presente-futuro, que o protagonista, Yu Tsun, há de viver. Borges coloca na consciência presente do personagem o futuro como um passado sem volta. O futuro como algo irrevogável ou fatal.
A segunda questão que podemos citar é quando o Stephen Albert (o erudito) descreve a obra de T 'sui Pên ao Yu Tsun, o autor teria se retirado da suas ocupações e depois de 13 anos para escrever um livro que ninguém entende e constrói um labirinto que ninguém vê.
Se descobre que o labirinto é apenas uma clave, algo imaterial ligado a uma noção de tempos que se bifurcam e assim a obra seria elucidada a partir de um caos narrativo aparente que incorpora possíveis encontros ou possibilidades que possam se dar na vida de uma pessoa.
 Num relato normal uma pessoa pode brigar, viajar, morrer, ir ou não para algum lugar , agora pensemos que todas estas chances possam acontecer no texto, que não se eliminem entre sim. Pensemos a partir deste conceito de probabilidades múltiplas do tempo  e que isto seja a chave para ler um romance  reproduzindo a multiplicidade e não um seqüência dos fatos .
Aqui Borges esta encarando uma discussão filosófica para falar sobre o tempo como algo não linear, não como algo uniforme e absoluto ( como o pensavam Newton e Schopenhauer ) se refere ao labirinto imaterial criado pelo T 'sui Pên nestes termos “ Pensei num labirinto , em um sinuoso labirinto crescente que abarca o passado e o porvir”.
Agora vou citar um trecho do livro para colocar melhor a questão, “Acreditava em infinitas series de tempos, em uma rede crescente e vertiginosa de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Essa trama de tempos que se aproximam se bifurcam , se cortam ou  secularmente se ignoram, abarca todas as possibilidades. Não existimos na maioria destes tempos, em alguns existe você e não eu; em outros eu, mais não você; em outros , os dois.
Em este, que um favorável azar me depara, você há chegado à minha casa; em outro, você ao atravessar o jardim, me encontrou morto; em outro eu pronuncio estas mesmas palavras, mais sou um erro, um fantasma”.
Vemos como essa idéia de labirinto esta orientando uma possível narração onde podem entrar muitas opções ou desenlaces de um fato, daí a incompreensão do texto do T 'sui Pên.
Como vemos em todas as ficções cada vez que um homem se enfrenta com diversas alternativas, opta por uma e eliminam as outras, na do  T 'sui Pên, opta simultaneamente por todas. Cria assim diversos porvir, diversos tempos que também proliferam e se bifurcam.

A frase final, guardada no manuscrito original do T 'sui Pên  define também esta perspectiva , “deixou aos porvir (não a todos) meu jardim de sendas que se bifurcam”.
Muitos estudiosos e filosofos como Fucault e Delleuze ficaram impactados pelo relato de Borges e dedicaram estudos e textos que sem ser definitivos alimentam essa perspectiva circular que o autor propõe com a idéia dos labirintos.
“El jardin de los senderos que se bifurcan” , uma obra magnifica.


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