Knut Hamsun.
Lembrando que o proposito de
estas resenhas é afirmar a compresão dos livros que acabo de ler, ajudar a
fixar eles na memoria assim como desenvolver a capacidade de colocar estas
impresões por extenso.
Confio que no convivio com esta pratica se aumente, ou ao
menos se exercite, o saber e o estilo.
O post de hoje fala sobre três
contos e três romances de Knut Hansun
(1859-1952), se trata dos contos: “ A rainha de Sabá”, “ A morte de Glahn” , “O
sonhador” e os romances:”Um vagabundo toca em surdina” ,Vitoria” e “Fome”.
O autor.
Seu verdadeiro nome era Knut Pedersen , Pedersen ficou oculto
sua vida toda detrás do sobrenome que se
tornou público, seguramente esta escolha em uma tentativa de preservar ,de algum modo, sua
privacidade.
Hamsun junto com Ibsen é um
dos autores mais famosos de escandinava.
Passou tempos difíceis, sofreu doenças delicadas como
a tuberculoses e padeceu privações
materiais.
Trabalhou no campo, foi
aprendiz de sapateiro, chofer de bonde nos EE.UU, conheceu a fama e a riqueza
(obteve o novel de literatura em 1920).
Acabou sua vida internado em uma clínica para doentes
mentais e depois num asilo onde morreu surdo passados seus noventa anos de
idade, durante este período escreveu um diário pessoal ao que chamou: “Por sendas onde cresce a erva”.
Teve uma vida dura e por ironia
do destino o seu romance Sult (fome) o tornou um dos escritores mais importantes da sua época com só 29 anos de idade.
Amante de uma vida reservada foi
admirado por grandes mestres da literatura como Gorki e Ernest Hemingway, quem afirmava que Hamsun
o ensinou a escrever.
O
filosofo alemão Martin Heidegger o admirava pela sua obra, o escritor assim
como o filosofo também construiu uma
cabana para poder se isolar e se dedicar a desenvolver sua obra longe da
dispersão e da mundaneidade.
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A obra.
A rainha de Sabá.
O
título faz referencia a um retrato de Julio Kromberg que leva o nome da rainha, o narrador batiza assim à musa-protagonista do
conto devido a sua semelhança com o ícone.
Aqui
a descrição que provoca a imagem da pintura no protagonista: ”É uma etíope, de dezenove anos, alta é terrivelmente bela
rainha e mulher ao mesmo tempo”.
A
narração é de caráter humorístico-absurda, relata a obsessão do protagonista
por uma jovem que conhece de modo casual.
Sem
saber o nome se quer de sua amada o protagonista fica obcecado por uma jovem a
qual consegue reencontrar quatro anos apos um primeiro contato fugaz, mas ela
se afasta e a fantasia se desfaz.
O
conto descreve o mundo interior do narrador e seus argumentos descabelados para
justificar sua obsessão, a narrativa toma um tom burlesco ao descrever as
atividades que o protagonista simula
realizar e que o ajudam a justificar seu comportamento neurótico.
O mito.
De
acordo com a cultura Etíope
contida no Kebra
Negast - que não encontra paralelo
na história bíblica - a narrativa é de que o rei Salomão teria convidado a
rainha de Sabá para um banquete, servindo comida condimentada para induzi-la a ter sede, e convidando-a a passar a noite no seu
palácio. A rainha pediu-lhe então que jurasse não a tomar à força. Ele aceitou
com a condição de que ela, por sua vez, não levasse nada do seu palácio à
força. A rainha assegurou que não o faria ofendida pela insinuação de que ela,
uma monarca rica e poderosa, precisaria roubar qualquer coisa. No entanto,
quando ela acordou no meio da noite, sedenta, pegou uma jarra de água que havia
sido colocada ao lado de sua cama. O rei Salomão então apareceu, avisando-a de
que estava a quebrar a sua promessa, ainda mais pelo fato de que a água,
segundo ele, seria a mais valiosa de todas as suas posses materiais. Assim,
enquanto ela saciou a sua sede, libertou o rei de sua promessa, e passaram a
noite juntos.
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A morte de Glahn.
O
segundo conto da serie relata a historia de dois homens que antipatizam ao
ponto de provocarem uma situação violenta insustentável.
Eles
saem de caça na Índia, se hospedam em um alojamento precário e a historia narra
a vida na selva, o calor, as disputas, as pequenas grosserias, o álcool..
As
afrontas de Glahn aumentam ao ponto de parecer que ele instigasse ao narrador
(este sem nome) a que o assassinara.
Em
um momento da historia surge um confronto porque Glhan estabelece um romance
com uma indígena da região que estava namorando ao narrador..O triangulo estava
formado entre Glahn,o narrador e Maggie (a nativa).
O
narrador se enfurece com a afronta, Glanh ainda atira nele e o chama de covarde
para aumentar o desafio, finalmente o narrador dispara contra Glahn e abandona
o corpo na selva.
Estilo.
Um
primeiro recurso que podemos comentar se refere à forma do roteiro, no caso o conto
começa pelo fim, a família do Glahn procurando o corpo e depois se desenvolve a
cena.
Um
segundo recurso de natureza gráfica usado pelo autor é o de publicar todo um
parágrafo varias vezes, com isto coloca ênfases no relato e introduz uma solução
sonoro-visual no leitor produzindo um efeito algo hipnótico.
A
cena se produz quando o narrador indaga a sua amante sobre o porque ela tinha tornado a falar com
Glahn...
Aqui
a narrativa que repete:
“-Responde-me porque tornaste a falar-lhe?
-Porque
gosto mais dele
-Mais
do que de mim?
Seu
silêncio aumentava a minha cólera: quase
não podia respirar , nunca como então me parecia tão atraente e não a teria
trocado nesse momento pela mulher mas linda do mundo, não só esquecia sua cor
como a minha dignidade...tudo.
-Responde-me
porque tornaste a falar-lhe?
-Porque
gosto mais dele
-Mais
do que de mim?
Seu
silêncio aumentava a minha cólera: quase
não podia respirar , nunca como então me parecia tão atraente e não a teria
trocado nesse momento pela mulher mas linda do mundo, não só esquecia sua cor
como a minha dignidade...tudo.
-Responde-me
porque tornaste a falar-lhe?
-Porque
gosto mais dele
-Mais
do que de mim?
Politicamente incorreto.
A
frase ”não só esquecia sua cor” não é das mais respeitosas como a diferença de
pele e a gratuidade com que os personagens matam animais na suas caçadas
mostram a falta de consciência ecológica que dominava o mundo no final do
século XIX.
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O sonhador.
Nos
anteriores relatos o mundo interior era algo relevante estávamos na frente do
que se conhece como “literatura psicológica” onde os humores, as neuroses, a
descrição dos estados de espírito ocupava um lugar de privilegio... Os
protagonistas não tinham nome e o relato era do tipo confessional escrito na
primeira pessoa; em este romance o personagem tem nome, profissão, tem amor, é real,
tem desejos... O relato, para se adequar mais a esta proposta descritiva esta
na terceira pessoa.
O personagem.
O
esguio Ove Rolandsen era telegrafista, usava cabelos longos, sua noiva
costumava dizer com mordacidade que parecia um pintor que acabara como
fotografo.
Tinha
34 anos, havia freqüentado a escola, cantava e tocava violão, era alto e forte,
gostava de beber,era um sedutor e um inventor.
A trama.
A
cena tem basicamente cinco personagens centrais e algumas historias paralelas,
os personagens principais são Rolandsen, o comerciante Mack, sua filha Elise
Mack, Marie van Lousse governanta do novo pastor , noiva de Rolandsen e o novo
Pastor.
A
primeira historia, o titulo do conto alude ao lado sonhador que tinha o protagonista,
ele tinha inventado uma cola a base de peixe e precisava de investimentos para
poder desenvolver sua criação. Com esta intenção tenta se aproximar do novo pastor
e de Mack (um poderoso empresário da região) sem conseguir resultados; se atribui
a autoria de um roubo para receber uma recompensa e com este patrimônio
desenvolver seu invento para seduzir ao Sr Mack a se tornar seu sócio.
A segunda
historia simultânea relata a vida do pastor e sua família.
Temos
também o relato da vida na comunidade: varias pequenas historias que serviram
para descrever o que acontece na aldeia:
os pescadores, as brigas, a sedução, a bebida, o dia a dia.
Duas
outras historias que refletem o sentido do humor e o senso romântico narrativo.
A
primeira ocorre entre Rolandsen e a esposa do novo pastor; ela simpatiza com
ele, se aproxima e Rolandsen em uma noite de embriaguez acaba resolvendo cantar
, em horas impróprias,uma serenata embaixo da janela do quarto dela e do
pastor.
Este
episodio romântico –ridículo junto ao descobrimento do verdadeiro ladrão
daquele roubo que Rolandsen tinha se
adjudicado para receber a recompensa e a saída de cena de Arie van Loos (sua
namorada) ao não querer ter seu nome atrelado ao de um delinqüente produzem um
sentimento de vergonha no protagonista ao ponto de levar-lo a se auto exilar em
uma ilha deserta próxima da aldeia.
No
final do livro, Rolandsen retorna do seu breve exílio recebe a noticia que seu
invento é cobiçado, se torna sócio do Sr Mack e recebe uma carta da sua
ex-namorada na qual esta afirma seu desejo de voltar pra ele; Rolandsen
responde: ”absolutamente não era tarde
demais. Venha na primeira oportunidade para o Norte. Seu Ove”.
A
filha do Sr.Mack percebe, ante a eminência da perda, o valor oculto que tinha
sua relação com Ove Rolandsen e decide enviar uma segunda mensagem a Marie van
Loos dizendo que: ”não devia levar em consideração o pedido de Ove Rolandsen,
pois não fora sério. Espere carta. Elise Mack”.
No
final do conto uma caricia de Marie sugere um inicio de uma nova relação.
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Um vagabundo toca em
surdina.
O titulo usa uma imagem musical; algo assim como:
"malandro, fala baixinho" ou "velho sábio não sai dando berros”...
Lindo livro que conta a historia de um homem sensato e solitário.
Imagino
que a palavra “vagabundo”, por todo o que ela carrega de negativo na língua
portuguesa, deveria ser trocada por o termo peregrino.
O
conto faz parte de uma trilogia formada pelos textos: “Baixo as estrela do
outono”, “Um vagabundo toca em surdina” e “A ultima alegria”.
O romance começa com um prelúdio onde o autor
introduz uma historia paralela no narrador na forma de lembrança.
A
historia inicial narra a vingança de um amigo mexicano do narrador ao assassinar
ao patrão da sua namorada por conta que este a teria matado ao obrigá-la a
trabalhar em condições de exploração extrema.
A
historia em si começa numa zona rural quando o protagonista volta à propriedade
do capitão em Oevreboe a procurar emprego depois de alguns anos de ausência.
O
relato narra a vida dos camponeses, a natureza , aqui uma das descrições: “
Imensa calma desce sobre mim em contato com aquelas almas simples, daquela
casinha perdida no meio do arvoredo que se agita a cantar sua eterna canção,
tangido pelo vento”
Do
lado dos patrões a realidade é perturbada pelas relações amorosas que se cruzam
entre o capitão Falklemberg (60 anos), sua esposa Luiza, (não define idade, mas
esclarece que é jovem - quarenta anos aproximadamente-), o engenheiro Hugo Lassen
(25 anos, amante de Luiza), e Isabel (40
anos); o capitão casado com Luiza e sendo amante de Isabel e o Luiza sendo
amante do engenheiro criam dois triângulos amorosos.
No
percurso da trama aparece uma polarização clara, o autor aprecia a vida, os
valores dos criados e os opõe com a mundaneidade frívola dos patrões.
A
vida não era pacífica, existiam ciúmes e
controle..No jogo de domínio das informações, similar ao da trama de
espionagem, Luiza tem como aliada a sua criada Ragnilde; como esta incomodava os
interesses do casal (Capitão e Isabel )o
Capitão decide se livrar dela se
mostrando insatisfeito com a necessidade de manter-la em casa .
Com
esta iniciativa ao invés de conseguir seu propósito o Capitão fez que aumentaram as suspeitas da sua esposa; assim o Capitão começa uma nova tática que consistia
em insinuar uma aproximação erótica com Ragnilde, a sua idéia de provocar uma discórdia entre
Luiza e sua criada funcionou, o seu atrevimento chega ao ponto de dizer uma
grosseira amabilidade: “Ragnilde, lindo corpo que tu tens...”
A
empregada é despedida em um primeiro momento mas pelo conjunto das
circunstancias se manteve como dama de quarto de Luiza ao longo da trama.
O
personagem protagonista, o “vagabundo” que dá título ao romance não tem nome,
mas é descrito como um criado de hábitos solitários, de cabelo e barba
grisalhas, discreto, honesto e secretamente deslumbrado pela sua patroa Luiza
Falklemberg.
As
relações entre os Falklemberg se tencionam e se produz a ruptura do casal;
Luiza sai para morar com o engenheiro e o capitão se ausenta da casa.
O
romance tem três partes narrativas que se dividem a partir da separação do
casal Falkkemberg e da saída do protagonista de Oevreboe para uma cidade
próxima onde esta trabalhando o engenheiro e a volta do protagonista e de Luiza
a Oevreboe . A forma total tem então um prelúdio, XIV capítulos e
um finale.
O
autor descreve a cidade onde o protagonista trabalha e onde mora Luiza com o engenheiro durante a
segunda parte do romance como uma cidade morta.
“Foi
com a Suíça que aprendemos a ser um pais de medíocres que tudo desatende, menos
ao interesse dos turistas” , ou “A nossa
existência só tem das outras a diferencia de que aqui se vive com unhas curvas e olhos de rato, com ouvidos
que enche , dia e noite o trovejar do rio”.
Na
volta a casa Luiza anuncia sua gravidez, a relação acaba se tornando insustentável,
o Capitão se afasta e Luiza visita o engenheiro, sofre um acidente morre e o
protagonista sai da casa e retoma seu perambular pelo mundo afora.
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Reflexões.
Uma
das questões que levanta o texto é a de como determinadas pessoas, independente
da sua riqueza material ou sua hierarquia, conseguem se relacionar de um modo
verdadeiro com a vida, como conseguem desenvolver um senso de honestidade, de
elegância enquanto que outras se comportam de modo caprichoso, fútil e
extravagante.
Isto
acontece mais que nada quando o autor opõe as ações de Luiza e do engenheiro as
do protagonista; embora este seja um simples camponês ele se comporta de um
modo muito mais lúcido e discreto que os outros dois afetados personagens.
Provérbios.
O autor apresenta vários pensamentos em forma
de ditados. Aqui algum deles: “Não queria compreender que o mundo não é feito
para ser julgado pelos homens”.
“
A vida é assim e os projetos não pertencem aos humanos”.
“Suportar
a desgraça não é dado a todos os corações”.
Final.
O autor escreve um epilogo magistral onde
entre outras coisas fala sobre o que significa o titulo do livro, fala sobre
sabedoria e felicidade...
Ele
se pergunta que fazer quando chegamos tarde demais às coisas?
Ele
responde que apenas rir (ter uma atitude ingênuo-otimista )demonstra uma
incapacidade cerebral, agora ele nos sugere que podemos mover-nos, que nos é dada a possibilidade de
escolha; ele nos diz que podemos procurar um lugar melhor
usa a imagem de que “podemos evitar sentarmos encima do prego”.
Fala
sobre a obsessão, opõe uma pessoa que
busca uma revanche por afetação a uma
pessoa simples que não se revolta porque
sabe que sempre algo aparece.
Opõe
um ambicioso que quer tudo, mas que este cego para a beleza da floresta.
Rechaça
os homens que apenas orientam sua vida a defender o seu, os que se tornam
escravos do que é seu.
Fala
que os anos só dão velhice e não experiência ou sabedoria.
Comenta
que um sábio, por exemplo, se torna sábio já velho; fala sobre a possibilidade
de conhecer uma mulher e diz que o velho sábio só conhece a mulher na sua
memória, o que , de algum modo o impede de conhecê-la; por outro lado
explica que a imagem de mulher como um ser doce, suave, esta
só neles não na realidade.
O
livro acaba com um elogio da contemplação do mundo e das possíveis apreciações,
musicais, visuais, da natureza no seu esplendor.
Justamente uma das características do autor é a de
trazer a imagens sonoras. Trazer o som como um elemento descritivo de uma cena
ou da personalidade dos personagens, no final do livro o autor compara o som da
floresta ao som do mar e o estado contemplativo do protagonista ao som de um
violoncelo.
Vitoria.
O
romance é extraordinário, tem algo de autobiográfico porque o personagem
masculino central é ,assim como o autor,um moço de origem simples, o filho de
um moleiro no caso, que acaba ganhando notoriedade como escritor.
O
tema central é o amor e aqui me permito colocar uma primeira questão, confesso
que acho que é muito difícil falar do
amor sem cair em posturas piegas ou sentimentais demais, o limite entre o
artístico e o excesso é muito tênue , o autor tem que ser muito mestre e entrar
com cenas que contrastem para aliviar aquela fascinação infantil que é se
sentir apaixonado com 10 anos de idade e
ele consegue.
A trama.
Em
um povoado simples frente ao mar existe um mundo desigual, por um lado a
família que mora num castelo e por outro a população digamos normal formada por
trabalhadores, marinheiros...
As
crianças acabam se misturando nos seus jogos inocentes e esta miscelânea os protagonistas compartem jogos, passeios e
acabam desenvolvendo laços afetivos.
Assim
foi que Vitoria ,a garota do Castelo, e Johansen, o filho do moleiro ,se
conheceram e se apaixonaram quando ela tinha 10 e ele 14 anos.]
Eles
confessam seu amor mutuo durante um
passeio , ainda crianças, a cena é linda: ”Tenho certeza de que ela não gosta
de você tanto quanto eu- respondeu Vitoria.
Um
raio de êxtase eletrizou seu jovem coração. Ele poderia ter mergulhado na
terra, de alegria e acanhamento ante as palavras dela. Não se atrevia a
fitá-la“.
A
cena corta e muda, eles se reencontram 5 anos depois para confirmar aquele
primeiro encontro, se beijam e se confessam amor mutuamente mas surge a
condição social como impedimento para que a relação pudesse prosperar .
Passam
anos e os dois se definem como adultos, ele como um escritor que publica livros
de certa repercussão e ela como prometida de um tenente Otto, amigo também da
infância.
Paralelo
ao relato central o protagonista salva
uma criança de ser afogada e este ato se adere a sua vida a partir de uma
relação amorosa secundaria com a vitima.
A
relação dos dois (Vitoria e Johansten) cresce ,como um musgo na pedra ,mas ela acaba cedendo as
pressões familiares e fica noiva do
tenente, na noite da festa do compromisso social Vitoria convida seu namorado
oculto e dá como presente de consolo aquela garotinha que ele tinha salvo de
bandeja.
As mortes
O
romance se define com três mortes, primeiro o tenente noivo de Vitoria; depois
o pai dela se suicida porque estava afundado em dívidas e imaginava que o
matrimonio da sua filha poderia resolver seu fracasso material.
Por
último a morte da própria protagonista que define com uma carta derradeira o
fim do romance.
Uma reflexão sobre as mortes nos relatos de Hansun: A
morte de Luiza no romance “ Um vagabundo toca em surdina” e as três mortes no romance “Vitoria”
refletem como o autor de algum modo pune aos personagens com características mundanas,
triviais .
O criador assassina as criaturas que ele mesmo
inventara em um jogo o que nos permite questionar-nos até que ponto a obra
cobra vida própria ou o criador interfere nela com sua vontade.
Fantasia.
Existem
dois momentos nos quais o autor libera sua imaginação, sai do relato lineal e
solta sua fantasia.
Primeiro
quando o casal Vitoria e Johansten, crianças brincam numa caverna que se encontra na praia, durante o primeiro
capítulo : “Esta é a pedra onde o gigante se sentava.-você falou que só tinha
um olho então deve ser um duende,- Vitoria levanto-se e faz menção de encaminhar-se para a entrada.
– Não há motivo para pressa, tornou Johantes- Ele só virá no anoitecer.À
meia-noite.”
Depois
no capitulo quinto quando Johantes , já adulto e escritor , delira no argumento
de um novo livro:”Encontra-se diante de uma grande porta e vê um grande peixe
que ladra. Tem uma crina nas costas e late como um cão”.
A fome.
Um
homem na maior das penúrias materiais vê sua vida golpeada ao ponto de não ter
o que comer perder o quarto onde habitava e virar mendigo.
Para quem conhece
um pouco sobre a vida de Knut Hansun a historia parece inspirada nas difíceis
situações pelas que ele passou.
O
autor situa a cena em Cristania (atual Oslo) assim como o Raskólnikov do Crime
e Castigo de Dostoievsky, o protagonista, narrador é um jovem escritor pobre,
provinciano que viera na cidade grande em busca de oportunidades.
O
protagonista inventa nomes para si mesmo, parece que o fato de ser anônimo faz
parte da sua invisibilidade... Um ser desprezado, esquecido, parecesse como que
sua falta de individualidade se reforça na ausência de afirmação da sua
identificação. Ele em um momento diz que se chama Wendel Jarlsberg, depois André Tangen e até Valdemar Atlerdag.
O
protagonista afirmava sua dignidade ao se apresentar como autor de textos, ele escrevia
artigos de ordem filosófica e com isso sobrevivia, mas a indiferença do mundo o
estava excluindo, ainda mantinha sua integridade e sua consciência saudável,
mas as dificuldades o levaram a ter alguns comportamentos estranhos; primeiro com
umas moças, depois com um cego, com um policial e com um senhor na rua que
denotavam certo grau de falta de discernimento mental no nosso protagonista.
A
tristeza só foi interrompida momentaneamente pela noticia da compra de um dos
seus artigos; a alegria porem durou escassas noites, aos poucos o dinheiro
acabou e o protagonista voltou a flanar sem rumo e a retomar ao seu dia a dia febril,
fraco, debilitado... Ele fica dormido e durante o descanso tem um sonho
fantástico que nos lembra um dos contos “das mil e uma noites”.
A referencia: No conto original um homem do povo que se
mostra hospitaleiro com o Sultão ,sem saber quem ele era, lê confessa seu desejo de pertencer a realeza
; é sedado e levado ao palácio do Sultão para ser todo-poderoso por um dia,
acorda na cama real, é conduzido por varias criadas lindas e depois é banhado
por outras jovens magníficas, é vestido com roupas extraordinárias , visita
diferentes salões onde experimenta frutas, bebidas, perfumes,, no final do dia
é novamente sedado e devolvido ao seu quarto habitual...
Aqui no romance á narração é a seguinte: [Ao
chegar a noite monstros negros vinham aspirar-me ; e levar-me para bem longe ,
para o outro lado do mar ; a través de regiões estranhas onde não vivem seres
humanos. E me conduziram ao castelo da princesa ilíaliai , onde me aguardam
imprevistos esplendores, acima de qualquer esplendor humano. Ela sentada num
salão fascinante, onde tudo é ametista, sentada num trono de rosas amarelas,
estenderá a mão quando eu entrar, fazendo ouvir a saudação de boas-vindas , à
minha aproximação, e me prosternarei:” Bem-vindo cavalheiro ! Bem-vindo ao meu pais....]
O
protagonista acorda do sonho fantástico; continua na rua, volta a sua rotina
miserável de desprezo e exclusão até que durante uma noite, depois de vagar sem
encontrar um lugar onde se proteger dorme em num refugio público; como o quarto
era completamente fechado ele passa mal, sofre pesadelos até quase surtar, no
outro dia a sorte o ajuda e, nesses equívocos favoráveis que a vida outorga,recebe
um troco errado de um comerciante do qual pretendia comprar uma vela fiado para
poder terminar de escrever um dos seus textos; com a “pequena fortuna” compra comida,
paga um quarto e ganha uma nova trégua.
O
dinheiro acaba volta à rua e luta por um lado por manter sua integridade, ser
honesto, não se corromper, e por outro se permite questionar e até discutir com
Deus para que ele justifique o porquê de tanto castigo, de tanta perseguição
contra sua indefesa pessoa.
O autor parece querer
discutir em este trecho a existência humana e como o homem deve se conduzir
levantando a questão da ética, da
integridade moral e a relação com a fé e com a impotência e com a falta de
significado místico , com o absurdo do seu calvário, é curioso como ele nunca
apela para uma interpretação social ou política da sua situação.
Volta
às ruas recebe humilhações, indiferença, sua figura levanta suspeita e
desconfiança. De repente um repouso, consegue receber o adiantamento por um
artigo ao mesmo tempo se reencontra com uma moça a qual se despede dele com um
beijo, marcam um encontro; a vida parece querer dar um descanso.
O
encontro começa bem, mas, no meio de uma situação intima, ela corta o clima e o
caso amoroso se desfaz, sofre um pequeno acidente, suas roupas se deterioram, o
dinheiro se acaba e volta à precariedade.
É importante reafirmar que
o autor não coloca nome nem o protagonista nem na moça, ela apenas é batizada
por ele com o nome de fantasia de Ilaiáli.
Voltam
às horas de fome, chega ao ponto de comer carne crua, entre a sua debilidade
física e a decadência do seu aspecto visual, ganha uma nova folga no seu
tormento e consegue se instalar por umas semanas numa pensão.
No
começo da quarta e última parte do romance o narrador descreve a chegada do
inverno, o clima é de tristeza e desesperança: “Chegara o inverno – inverno
úmido e doentio, quase sem neve, noite perpetua, escura e brumosa, sem a menor
rajada de vento fresco durante uma semana. O gás flambava quase o dia inteiro
nas ruas, e a pesar disso as pessoas se chocavam na cerração. Todos os ruídos –
badaladas de sino, guizos de cavalos de
fiacre, vozes humanas, bater de ferro no calcamento – ressoavam surdamente,
como sepultadas no ar espesso. Passaram-se semanas e o tempo na mesma”.
O
protagonista pensa em escrever um artigo inspirado em um incêndio que
aconteceria numa livraria, ele comenta que na realidade seria os cérebro dos
homens que ardiam , comenta que queria
fazer uma verdadeira noite de São Bartolomeu com os cérebros em chamas.
Recordando que com o nome
de “a noite de São Bartolomeu” se lembra uma trágica jornada na qual foram assassinados
na França, em 1572 , centenas de protestantes nas mãos de
católicos.
Voltando ao romance, o alento que deu
origem à idéia do artigo foi interrompida pelo ingresso da dona do apartamento
que alugava o que o produziu que ele tivesse que sair do quarto e com isso a
idéia inspiradora sofrera um golpe traumático que o obriga a abandonar o texto que
tinha iniciado.
Dormindo em um corredor, pressionado por
toda uma situação asfixiante, decide escrever um drama inspirado na idade media
chamado: “o sinal da cruz”.
A iminência do seu despejo, a fome e a
pressão se aliviam com uma carta anônima na qual recebe algum dinheiro, joga na
cara da dona do quarto a nota; sai da casa, vaga pelas imediações da zona
portuária se oferece como ajudante em um navio. Embarca para Inglaterra e assim,
como abrindo novos horizontes, outros ares, termina o romance.
Final.
A sensação do livro asfixiante, o clima
sombrio e doentio não nos dá um respiro, parece aquelas situações opressivas
esmagadoras criadas por Dostoievski no seus relatos ou pelo próprio Henri
Miller que ,anos mais tarde narraria seus momentos de precariedade e penúria.
O tempo todo o protagonista esta contra
as cordas recebendo uma surra que não para, o clima é esse. Sabemos pela sua
biografia que o autor sofreu necessidades materiais e padeceu doenças como a
tuberculose que é uma enfermidade
própria de situações de baixa imunidade, de precariedade material, próprias de
população em situação de risco.
Tal
vez , como aconteceu com Dostoievki, que depois da experiência existencial de
ficar quatro anos confinado num presídio na Sibéria conhece o que é a alma
humana; também o autor precisou viver essas experiências trágicas para ganhar
compreensão para olhar o mundo. Tal vez o lugar do poeta seja justamente tornar
belo o triste.
Um romance que nos torna mais sensíveis
aos problemas sociais, ninguém é o mesmo depois de ler este livro.
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