quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

“O apanhador no campo de centeio”

Salinger

“O apanhador no campo de centeio”

A primeira coisa que nos chama a atenção quando começamos a ler o romance é como o narrador nos convida a entrar na sua mente e colocar-nos na cena, nos seus gestos,  como que nos põe por dentro do seu motor, do seu modo de pensar e de agir.
Em tom de confissão, de sessão terapêutica, o relato nos convida a olhar o mundo detrás dos olhos do Holden.
A ação acontece quase que em tempo real, são três dias sucessivos que ocorrem desde que o protagonista sai expulso da sua escola e decide demorar uns dias em New York  e realizar uma aventura nas vésperas do Natal antes de voltar em casa.
O romance se passa em dezembro de 1949. A história começa com Holden Caulfield , o protagonista, descrevendo sua convivência com  alunos  da escola do Pencey Prep, em Angerstown, Pensilvânia.
Basicamente é um monologo interior de Holden, um garoto de 16 anos,  que não consegue se encaixar na realidade imposta pelo sistema. Inconformista,  foi expulso de vários colégios e como tem hábitos literários (gosta do grande Gatsbi, por exemplo) consegue tirar boas notas apenas em redação.
Ele critica aos professores por serem superficiais, ou, como ele diria, “falsos”, vive como um estranho nesse mundo  de afetações e mentiras e sua lucidez e que o torna atraente.
Ele é alto,magro, tem parte de seu cabelo cinza (detalhe que ele explora para aumentar a sua idade), sofre de tédio e de depressão,tem valores éticos-morais, reconhece o que é e nos demonstra sua sensibilidade social, presenteia com alguns dólares a umas freiras que estavam em apuros e se preocupa em onde ficariam as aves do central park em inverno, isto aparece como uma obsessão e como uma metáfora do tema social, como se ele com isso se preocupasse com os mais fracos....onde vão os patos do lago no inverno?Ele questiona.
 Pela própria torpeza da sua juventude Holsen produz caos em diferentes ocasiões,  mostra  sua imaturidade  ao não ser discreto  em relação ao seus ciúmes , assim agride e é agredido ao  cair na briga com seu companheiro de quarto por conta de uma garota , outro caso acontece pelo fato de beber descontroladamente em uma oportunidade ele é convidado a sair de uma casa noturna,  em outro momento  comete a imprudência de chamar uma antiga namorada a horas inoportunas,se apresenta com nomes falsos e inventa como o personagem do romance “a fome” de Hansun mentiras em relação a sua vida.

Um personagem real.

Assim como o Tom Sawyer de Mark Twain  o nosso protagonista é um personagem real, com suas contradições, suas falhas, isto ,de repente, é o que o torna fascinante e é o que fizera que cento de leitores pudessem se identificar nas cobardias, nos excessos e no olhar de Holden.
Pensemos na sociedade moralista americana, pensemos o que significou para os jovens, na época em que foi lançado, 1951, seguramente uma carta de liberdade, um canto ao livre-arbítrio da ação e dos pensamentos que eles até aquele momento nunca tiveram em nenhum tipo de manifestação artística.

A relação com sua irmã e o encontro com um ex-professor.

O romance estava um pouco monótono, vômitos, questões adolescentes, palavrões, tédio instalado até o encontro do protagonista com sua irmãzinha e com um ex-professor, ai se levantam duas questões fundamentais que nos apresenta o autor.
Em determinado momento ela pergunta pra ele: mais ao final você gosta de que? Pergunta fundamental para perfurar nosso jovem, ele respondeu que gostava dela, reconhecendo seu afetivo e sua cumplicidade com ela como valor, falou também que gostaria sair da cidade e mudar de vida, algo como “cair fora” sem saber bem onde.
A segunda questão que aparece depois do encontro com a irmã ocorre quando o protagonista visita a um ex-professor e em determinado momento discutem certo método de avaliação estética que era praticado na escola.
A reivindicação do adolescente de permitir o direito a se sair de um tema, de  aceitar a dispersão dentro de um discurso lineal parece como uma possibilidade de lucidez e de espaço para a criatividade,  apostando no talento , entendendo a associação livre de idéias  como uma forma de perder as estribeiras e se permitir abrir o acaso como possibilidade criativa.
Juntando isto com a historia de o suicídio de um aluno,  das falsidades dos professores das escolas que ele freqüentou, dos questionamentos a Holiwood tratando a industria do cinema como uma máquina esmagadora e ao capitalismo como um sistema que vende ideais de consumo  podemos afirmar que um dos valores do romance se baseia em que este levanta as bandeiras contra o projeto americanizaste de existência.

Técnica.

O narrador intradiegético nos deixa com a sensação de um tom confessional; a falta de ação se apresenta como pano de fundo para expor pensamentos e sensações do protagonista ;pequenas anedotas como a da prostituta, a ida ao teatro ou a imagens no museu enfeitam  o tédio e a solidão de horas aziagas.

A música.

A música ocupa um lugar na discrição dos ambientes, o narrador em alguns momentos cita discos, composições e até descreve grupos e instrumentistas que ele assiste ao vivo, cita, por exemplo,a performance de um pianista e um percussionista com luxo de detalhes.

O titulo.

The Catcher in the Rye ou o  apanhador no campo de centeio , naturalmente um titulo intrigante; uma primeira questão que se levanta esta ligada ao porque do nome que dá título ao romance.
O livro leva esse nome em razão de Holden ter tido uma imagem fantástica onde ele se vê como um apanhador num campo de centeio, um guardião das crianças que se perdem a beira de um abismo sem volta, ou seja, como o guardião da  perda da inocência infantil.

Minha interpretação.

O narrador revela, de algum modo com este titulo obscuro, tipo parábola, como o próprio livro pode ser uma espécie de salva vida para toda uma geração de jovens.

Comentários.

Transcrevo aqui o texto de, A. Rocha e J. Dauster;"The Catcher in the Rye": (Penguin Books, 1994)
O próprio título passou a ter vida própria. Quem vai ao livro, chega até quase o seu final sem vislumbrar alguma explicação. Finalmente, o protagonista cita o poema que o inspirara ("Coming Through a Rye", R.Burns, Escócia, 1759-1796) e tudo parece que vai se esclarecer. Quando, porém, relata a espécie de "sonho em vigília", disparado pela lembrança dos versos, aquilo que, a princípio, parecia apenas uma charada, ganha contornos de absurdo, dignos da quase transposição do umbral da loucura:
"Fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto---quer dizer, ninguém grande--- a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o que tenho que fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar para onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas seria a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice...."   
Uma tradução livre de alguns dos versos do poema talvez ajude:
 "...Jenny está toda molhada, pobre criatura./Jenny raramente está seca:/ Elameou todos os seus corpetes/Atravessando o campo de centeio!/Atravessando o campo de centeio, pobre criatura,/ Elameou todos os seus corpetes.../Quem encontra um semelhante/Atravessando um campo de centeio,/Deve beijar esse outro ser/Uma criatura tem que chorar?..." Quem esperava por alguma explicação linear, decepcionou-se.



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