O encarregado da antena.
Ao sul do Rio Tintilaque perto do vale do açude vivia, não
há muito tempo, um homem que por razões fortuitas se tornou importante na
região (anos mais tarde, os arquivos policiais lembrariam com algum esmero detalhes
da tragédia de cores burlescos quando o Seu Bráulio , o encarregado, esteve
aos cuidados da antena).
Resulta que perto do vale do açude, numa pequena vila
perdida nos cafundós do Judas, conhecida com o irônico nome de Vila da Fortuna,
existia uma antena, de grandes proporções, que centralizava as transmissões de
televisão, rádio, as ligações telefônicas e também as conexões da internet.
Nesta antena existia uma luz vermelha, para os forasteiros a luz vermelha na
ponta da antena parecia um verdadeiro farol, um sinal para todos que se
aproximavam da aldeia, as pessoas comentavam para se situar: “a lanchonete fica
um pouco atrás da antena”, ou “a casa de Seu Antonio fica a dois quarteirões do
lado direito do farol vermelho”, ou “a farmácia de Dona Eunice fica bem justo
na frente da aquela luz da antena”...
A antena, tinha duas partes, primeiro uma base e depois um miolo,
o alicerce era formado por um imenso e solido apoio de metal que media
aproximadamente uns 30 metros de altura e uns 5 metros de diâmetro, este sustentava
o que podemos chamar como a própria antena: um objeto metálico formado por
alguns cilindros deitados de forma gradativa que representavam o cérebro do
monumento; incrustado lá no alto como um rubi brilhava um enorme farol com
vidro vermelho que sinalizava a existência da imensa coluna para o transito
aéreo, o gigante obelisco terminava em três ferros em ponta cruzados com função
de pára-raios.
Do lado do colosso metálico tinha uma pequena oficina onde
funcionava o escritório desde onde a antena era comandada, sentado na
sua grande cadeira, na Sede da Administração, cercado por botões, computadores
e monitores, estava um senhor que aos poucos foi tomando relevância no
arraial devido a que seu cargo acabou sendo de grande valia.
Para o imaginário da Vila da Fortuna a antena era uma
espécie de ouvido e de olho gigante. Desde
seu centro de poder, o encarregado tinha acesso a todas as comunicações e suspeitavam
que tivesse como escutar as conversas, como se imiscuir nas intimidades e nas intrigas
de todos os habitantes da região.
Na realidade, o emprego era menor, ele apenas era o
encarregado da antena, mais seu poder era real, a possibilidade de poder
grampear telefones ou espionar imagens fazia dele uma espécie de todo poderoso
capaz de conhecer os segredos da população.
Existe leis universais que seriam aconselháveis lembrar nessas
horas: como a que diz que muito poder na mão de um imprudente pode fazer perder
o senso de retidão e ainda, como o proibido instiga ao homem no desejo, na
curiosidade; o tabu ao invés de provocar a aceitação do oculto, acende a chama;
equívocos de nosso comportamento, fazer o que?
Seu Bráulio além do mais era preguiçoso, nem fazia o
trabalho pesado, as vezes que a antena sofria algum tipo de problema pelo qual
precisava ser endireitada ou se ocorresse algum tipo de irregularidade no ajustamento
do seu eixo após uma tormenta ou uma forte ventania, ele recorria a um ajudante,
um moleque experto chamado Beto que subia e descia aquelas escadas vertiginosas
com a destreza de um gato.
Desde sua cabine orientava ao garoto com sinais e com gritos até ele acertar o lugar adequado onde a antena pegava melhor, “Seu Bráulio, berrava o rapaz - lá do alto- assim ficou boa?”. “Beto, mexe mais para a esquerda- respondia seu Bráulio acompanhando sua indicação com gestos expressivos-“.
Depois da ultima chuva a internet tinha ficado um horror e seu Bráulio
era alvo de todo tipo de criticas e reclamos na Vila. As pessoas o paravam na
rua e o interpelavam perguntando pelo sinal: “seu Bráulio o sinal caiu?” Ele, com o
queixo empinado, respondia com evasivas e passava entre os habitantes do Vale; segurando a suas calças sempre caindo e se dando uma importância desmedida- temos que comentar que este tipo de atitudes começou a irritar a população e
aos poucos sua pose arrogante foi gerando uma antipatia irreversível,ele
era um pouco obeso, falastrão e seu cargo o tinha transformado em um ser soberbo
e intriguista-.
Uma noite Seu Bráulio tinha bebido demais, estava voltando
para casa e cruzou com uma vizinha bem em frente ao corredor da alameda, e
falou: ”deixa ele, o seu amor é uma armadilha”, a nossa vizinha, Maria de
Lurdes ficou surpresa com a insinuação, chegou a casa e comentou com seu
namorado pela internet o que tinha sucedido, o episódio foi esquecido mais ficou
registrado na sua memória a possibilidade de que o Seu Bráulio estivesse
bisbilhotando suas conversas; a partir
de então as pessoas começaram a perceber
um dos seus piores defeitos: o encarregado da antena gostava de imiscuir na
vida dos habitantes da Vila.
Em outra ocasião o seu Hermenegildo saiu a beber na taberna
do Vale e escutou a Seu Bráulio falando com o Seu Agustín (dono da quitanda) sobre
a cor da roupa intima de uma mulher de nome Etelvina, como ele conhecia uma
Etelvina, aguçou a orelha e percebeu que o encarregado da antena estava
descrevendo uma cena que ele tinha descoberto grampeando a caixa de mensagens
de um telefone celular.
Semanas depois outro habitante do Vale, Seu Sebastião se
interou que sua mulher tinha sido citada em uma conversa sobre troca de casais
em um motel ocorrida numa cidade próxima depois que seu Bráulio comentara o
caso na saída da igreja com Dona Erenilce.
Outro ponto alto foi quando o próprio padre Claudio,
responsável pela paróquia, descobre um grampo no seu telefone e suspeita que
sua relação amorosa como a filha de Dona Miranda, durante anos mantida em sigilo,
se instala na boca do povo todo do Vale.
O boato de que a intimidade estava sendo exposta em publico
criou um monstro gigante que descia e subia pelas ruas da Vila da Fortuna
similar ao zumbido de milhões de abelhas tomando conta do imaginário popular, a
Vila parecia assim vigiada por uma espécie de juiz todo poderoso e severo; o
pavor entre as mulheres que costumavam namorar no telefone, enviar fotos ou
mensagens atrevidas a seus parceiros e a iminência de um escândalo de grandes
proporções criou um tremor surdo entre os habitantes da Vila que concentrou
todas as atenções e provocou a desistência de toda e qualquer insinuação de tom
mais sensual em qualquer tipo de chamado.
O clima de tensão na Vila chegou a tal ponto que o padre
Claudio, tomou a iniciativa: decidiu reunir o pessoal envolvido e avaliar quais
seriam as medidas necessárias que se poderia tomar para colocar um ponto final
em toda esta desfaçatez.
Na reunião tinham alguns vizinhos importantes, um advogado, um estudioso de filosofia, algum dos implicados e até o chefe da delegacia do Vale da Fortuna foi convidado, o padre Claudio abriu a reunião comentando os últimos fatos que tinham acontecido e que já eram de publico conhecimento, fez um chamado ao povo da Vila da Fortuna lembrou o clima de boa disposição e de amizade que reinava no lugar no passado e passou a palavra para o professor, assim como era chamado Seu Augusto Bortilho, graduado em filosofia, este citou uma frase de Sócrates para começar sua locução “Amicus Plato, sed magi amiga vertias” (Platão é meu amigo, maior é minha amiga verdade) como querendo dizer que fora a amizade entre os vizinhos existia um compromisso maior com a veracidade (foi aplaudido), tomou a palavra o jurista Seu Tulio das Casas, ele se recostou na poltrona e também citou umas palavras em latim para abrir a sua intervenção: “nos temos que remeter aos argumentum ad rem” (argumento da coisa, dos fatos) chamado o povo a tentar se remeter aos casos concretos e não aos falatórios ; o pessoal mais jovem zombou do tom protocolar e rebuscado das intervenções dos ilustres vizinhos da Vila até que um jovem estudante de direito comentou possíveis encaminhamentos em um tom prático: “exatamente precisamos fatos se queremos processar ele ou realizar uma acusação formal, temos que provar sua culpabilidade, temos que detalhar alguma ocorrência com data, hora, lugar, narrar o que aconteceu realmente" (as pessoas aplaudiram a sua sensatez). Passaram vários oradores e com decorrer das conversas as pessoas perceberam o caráter frágil das incriminações, ficaram um pouco receosas de iniciar uma denúncia contra Seu Bráulio conhecendo os tempos demorados da lei e até duvidando de poder demonstrar na justiça a veracidade das acusações. A professora Etelvina de Sarte que tinha ficado observando aos oradores, fazendo uso da sapiência e astucia feminina, comentou: “penso que seria melhor ir todos juntos na porta do seu gabinete e encará-lo pessoalmente para que perceba de perto nosso aborrecimento”, todos aplaudiram a posição da nossa amiga e marcaram para a segunda feira seguinte às 20 horas na porta da igreja para caminhar juntos até o escritório do encarregado.
O fim de semana anterior ao dia marcado para o encontro foi
uma trégua para todos porque na Vila estavam acontecendo às tradicionais festas
juninas, a população estava toda em volta da praça central, os sinos rajados da
igreja batiam às 18 horas e as barracas coloridas faziam esquecer por momentos
o clima de apreensão que se vivia entre a população, sobretudo nas mulheres - lembrando sempre que o obsceno cora o rosto feminino e enche o peito masculino -.
A festa era linda, as “maças do amor” de um vermelho crocante
davam água na boca, tinha a barraca do quebra-queixo, os cânticos dos feirantes
“olha a pamonha, quentinha!!!”, amendoim torradinho, torradinho” ; o forró corria solto, os trios tocando Luiz
Gonzaga e Jakson do pandeiro no palco principal; o cheiro das carnes asadas, o
bolo de aipim e a fumaça das fogueiras tingiam o cenário, as barracas de jogos : tinha a pescaria, o jogo de derrubar as latas
enfileiradas, o tiro ao alvo...se bebia muita cerveja e na barraca do quentão
tinha encostado o “corno-melancólico”, Paulinho, um velho alcoólatra que tinha
sofrido o abandono da sua parceira há anos mais continuava falando dela depois
de alguns drink’s; as danças de
quadrilha, as roupas de caipira , a beleza das meninas vestidas com tecidos de
chita colorida e a vida festiva se realizando naquela praça do interior
mantiveram um clima de leveza nas horas que antecederam o dia fatídico .
Para ser ter uma idéia do clima de apreensão, as mulheres se
sentiam como se estivessem sendo atravessadas por raios-X moralistas que expunham
publicamente seus segredos mais audaciosos, a professora Ana Claudia era uma
delas, tinha se apaixonado por um rapaz que morava fora da cidade e costumava dedicar
a ele frases amorosas e até troca de fotos, algumas um pouco vergonhosas de serem
reveladas aos quatro ventos, a queda das relações mais comprometedoras tinham
trazido até um esfriamento na sua relação porque é claro que se criou uma
distancia prudente no diálogo intimo do casal depois dos últimos
acontecimentos.
A professora até tinha confessado com tristeza os fatos que
aconteciam na sua relação com um amigo poeta e cantor que fazia às vezes de menestrel
popular e alegrava com seu violão as tardes na Vila, ela no meio dos carrinhos
de pipoca, dos tabuleiros de tapiocas e outras iguarias encontrou com ele, e Michael,
que assim se chamava o artista, comentou que tinha feito uma música inspirado
no que estava acontecendo na relação amorosa dela, curiosa que estava, Ana
Claudia, perguntou se poderia escutar a composição, ele tomou seu violão e diz:
a música se chama “Disfarça”:
“Longe de ti e sem teus beijos,
Minha vida pouco vale,
Declina à tarde e no seu ocaso
Meu mundo esta junto a ti.
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Quero te amar mais não consigo
Ele não deixa nos encontrar
Por isso não me canso de repetir
Disfarça meu amor temos que esperar.
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Oh besouro preto, besouro de ouro
Sei que ele nos quer olhar
Oh besouro preto, besouro de ouro
Sei que ainda assim podemos nos encontrar
----------------------
Olha em frente sem medos
Vamos sair de mãos dadas
Não me importa que nos olhem
Nada me importa mais do que nós dois”.
Na própria segunda feira marcada os muros do gabinete tinham
amanhecido pintados com a inscrição: “Aqui mora um traidor”, uma criança na
escola tinha incorporado o clima que se vivia na Vila para realizar sua redação
na aula de português, reproduzimos aqui um pouco da eloquente narração: “olhava
pela janela e vi as pessoas tristes, tudo parecia diferente, que acontece?
perguntei-me e rapidamente chegou até a mim à resposta, não sei por que, mas
minha cidade é pequena demais para que as coisas fiquem ocultas, tudo se sabe,
espero que ele se arrependa de ter aberto a boca..”
Chegou o dia esperado, aos poucos os vizinhos começaram a
chegar uns a pé outros a cavalo, era uma noite fria e obscura de junho, a lua
cheia se escondia detrás de nuvens chuvosas e os cachorros latiam e uivavam
criando um cenário carregado.
Alguns trouxeram tochas acessas para iluminar a caminhada, o fogo serviu para reforçar um clima
ameaçador, estava lá Dona Erenilce citada como testemunha em relação ao caso da
troca de casais, Seu Hermenegildo, Etelvina, a Maria de Lurdes que tinha
escutado aquela indireta e o seu namorado que queria se vingar de qualquer
jeito do encarregado, ele apenas repetia sem cessar: “Ele tem que aprender a
não meter seu nariz onde não corresponde”.
O gabinete de Seu Bráulio foi cercado, as pessoas em circulo
se acomodaram para olhar em direção a porta de entrada e alguém entre os convocados
gritou: “CHEGA!”, aquela palavra
parecia o detonador de uma tormenta de pedras porque a partir disso a multidão enfurecida
começou a produzir todo tipo de gestos e a pronunciar todo tipo de palavrões
que fizeram incendiar a noite na Vila Fortuna como numa chuva de estrelas.
Um silencio sepulcral se fez quando a porta do gabinete se
abriu, o barulho do enferrujado como um grito seco criou um expectativa eterna, o ranger da porta deixou ver uma silhueta recortada por una luz em contraste; até que finalmente a figura de Seu Bráulio se definiu na frente da multidão,
se ajeitando as calças levantou a cabeça, deixou ver seu rostro seboso , seu olhar debochado, uma tose ronca para provocar respeito foi o que antecedeu a sua voz firme: “que querem
aqui?-perguntou- não sabem de nada, não tem provas de nada e ainda querem me
ameaçar e insultar como a um fora- da- lei, sou uma pessoa honesta e, digo
mais, se algum de vocês ousa me acusar
de algo quero ver as provas , quero saber se existe alguma pessoa de bem , uma
pessoa que se dê ao respeito em toda esta Vila e que possa falar comigo cara a
cara, respondam!!!!”.
Outra pausa, e um murmúrio entre os manifestantes, até que o
namorado da primeira vitima deu um passo na frente, as pessoas se afastaram e
ele encarou ao Seu Bráulio olhando no olho, fez uma interrupção e respondeu:
“você falou com minha namorada pra ela me deixar como se eu fosse uma
armadilha”, isso é verdade?
O encarregado da antena levantou a voz e disse, com seu jeito
loquaz: “Isso é verdade, você é uma armadilha, que quer, que fale pra ela que
você vale à pena”?
As pessoas que tinham a consciência culposa ficaram
desnorteadas com a reposta do Seu Bráulio, pensaram que ele iria recuar,
disfarçar ou no máximo pedir perdão por ter tido uma postura de xereta, mas
agora, a possibilidade de elas se verem expostas depois da atitude que ele
tinha adotado mudava toda a estratégia de ataque contra o falastrão.
O padre foi o primeiro a repensar a ofensiva, a Dona Erenilce
achou prudente em condição de mera testemunha não criar uma situação
constrangedora para os casais envolvidos no caso da troca no motel e preferiu a
discrição.
As pessoas tiveram um momento de incerteza mais apareceu um
homem que ninguém conhecia na Vila que encarou o seu Bráulio e falou: “você não
me conhece, nem vou comentar o nome da minha namorada para não comprometer sua
reputação em público mais a partir de que você fica se metendo a tomar conta
das conversas da gente ela não quer saber mais nada de comentar alguma
intimidade, tá me ouvindo?”.
O tom utilizado pelo sujeito era ameaçador, o seu Bráulio,
olhou pra ele, coçou a cabeça e falou “você é aquele promíscuo que fica namorando até altas horas trocando todo tipo de segredinhos com sua parceira?
Ainda não entendeu que ela quer cair fora? Você deve ser aquele que para
disfarçar, trocaram os nomes por besouro negro e besouro de ouro , estou certo?”
– quando o encarregado tinha pronunciado a palavra namorando usou um tom tão irônico que irritou as pessoas que
assistiam a cena mas, agora quando
colocou em público os apelidos do casal - o Seu Bráulio soltou uma gargalhada
histérica que caiu na multidão como um verdadeiro insulto.
Foi à gota d’ água, o clima ficou tenso e seu Bráulio olhou
ainda com ar desafiante, a professora ficou indignada, tirou seu calçado e
soltou o grito ensurdecedor, segundos mais tarde um sapato certeiro voou para a
cabeça dele que o acertou em cheio no olho direto, ele deu um passo em falso para
trás e caiu, a multidão entendeu que este seria o momento preciso para atacá-lo
e avançou com toda uma serie de golpes, chutes e pancadas até deixar ele
estendido no chão.
“Vamos fazer o que?” perguntaram alguns. Já sei, respondeu
Etelvina (uma das vitimas do encarregado): “vamos pendurar seu corpo na porta
da taberna dentro de uma rede e todo o mundo que entrar e sair tem que cuspir
nele”. ”Não, respondeu seu Hermenegildo, vamos chutar ele até aquele precipício
e jogar ele pra baixo para ele estourar os miolos na queda, vamos parar com
isso, diz o padre”, a professora Etelvina falou: “vamos dar choque elétrico
nele”; uma vizinha, no entanto, pensou que ele teria que ser obrigado a ficar
de joelhos no milho, subir e descer as escadas da igreja sem parar pelo resto
da sua vida, mas desistiu de externar sua idéia,”não, não- respondeu Maria de
Lurdes- vamos passar mel pelo seu corpo, pendurar-lo na antena e deixá-lo
lá em cima perto do farol até ser devorado pelas aves de rapina”. Todos
responderam ao uníssono: “isso sim, isso mesmo!”.
O castigo tinha sido escolhido, mas ninguém podia imaginar
como poderiam elevar o corpo do Seu Bráulio até a ponta da antena sendo que a
única via de acesso era uma pequena escada de metal de uns poucos centímetros e
o peso morto do corpo dificultaria o acesso.
Penduraram cordas e roldanas, criaram um engenhoso sistema de
carga, lambuzaram todo seu corpo com mel e entre todos os homens começaram a
elevar o peso, alguns gritavam: “vai Seu Bráulio, que os pássaros não se
engasguem com seus ossos”, uns riam e outros soltavam insultos motivados por suas
causas pessoais.
O corpo se elevou por cinco metros até que o seu Bráulio
acordou e viu seu corpo pendurado nas alturas, amarrado e coberto de uma substância
pegajosa que não conseguia identificar, ai gritou: "Tirem-me daqui “...mas o
povo nada de desistir do castigo, no intuito de se livrar das cordas e do
engomado do mel acabou ficando semi-nu, no seu instinto de sair daquela
situação acabou caindo da altura de cinco metros, primeiro sobre uma árvore
para depois se chocar contra o chão e perder a consciência, formigas atraídas
pelo cheiro do mel em alguns minutos cobriam parte do seu corpo.
A polícia foi acionada e a noite ajudou a acobertar a
multidão que rapidamente se desfez deixando o corpo quase nu no chão, mordido
pelos insetos, a metros da antena da Vila.
Seu Bráulio recobrou os sentidos já
na delegacia para onde foi levado, algumas horas mais tarde liberado voltou
para seu gabinete tomou seus pertences para nunca mais ninguém ter noticias
sobre sua existência.
As pessoas na Vila da Fortuna retornaram suas atividades, os
casais se reencontraram. Venceram o pudor? Um manto generoso fez retornar a
compostura prévia ao escândalo que reinava na Vila.
Uma manhã de inverno um novo encarregado assumiu o controle
da antena na Vila da Fortuna, uma camisa lambuzada de mel e comida pelos
insetos foi o que sobrou do último episódio que envolvia Seu Bráulio, duas
crianças distraídas brincam na praça central e os sinos da igreja marcam o meio
dia de uma quarta feira tíbia. A vida continuava na Vila como se nada.