Introdução.
Hoje vamos comentar
duas obras de teatro de Eugene O´Neill : O grande Deus Brown e Estranho
Interlúdio; duas peças que falam sobre o
primeiro amor e sobre o passado determinando a existência . Durante a resenha vamos apreciar recursos literários e o uso de máscaras que mostram como o autor pode iluminar o mundo interior dos personagens tornando a ficção mais ampla.
A vida.
Eugene O’Neill (EE.UU
1888-1953)
Até os 23 anos Eugene O´Neill
viveu uma vida dura, tal vez no
seu encontro com experiências extremas foi que ele pode aprender a conhecer a alma humana e desenvolver um olhar
lúcido e agudo que lhe poderia permitir mas tarde construir os personagens que
habitam na suas obras.
Nasceu no meio teatral, muito novo se embarcou como
marinheiro e conheceu Argentina. Sem dinheiro viveu como desabrigado e
alcoólatra num bairro próximo ao porto de Buenos Aires, do mesmo modo conheceu
o submundo do sul da África, Nova Iorque e Liverpool na Inglaterra.
As leituras de Ibsen, Nieztche e Dostoiévski o inspiraram a
escrever. Foi um ator, diretor e dramaturgo; sofreu tuberculose, mas a vida o
consagraria aos 32 anos com prêmio Pulitzer e aos 48 com o Nobel de literatura.
Jorge Luis Borges no prólogo da edição argentina comenta que O´Neill compreendeu que o melhor instrumento que lhe
foi dado aos homens para inovar e renovar é a tradição, não para servilmente repetir-la ou copiá-la mas para que ela seja ramificada e enriquecida.
A narrativa de O´ Neill .
Elementos da
literatura que orientam a direção dos atores.
O´ Neill se propõe mostrar um teatro novo, uma dramaturgia
onde apareça aos olhos do espectador como os processos internos convivem com as
atitudes externas dos personagens . Como todo um mundo tácito de pensamentos,
lembranças, avaliações, culpas ou reflexões coexistem com os atos, com o mundo
visível, fatual no qual vivemos.
Para isso introduz o recurso da máscara ou inclui longos
solilóquios dos personagens - técnica narrativa completamente inovadora na
época-.
Com esta saída, ao mesmo tempo em que descreve o mundo paralelo
dos personagens, ao trazer novas perspectivas para o leitor-ouvinte; reforça a orientação
para o ator ou para o diretor no sentido de indicar o que ele acha correto em
relação da postura dramática, o olhar, a atitude corporal ou a sensação
adequada que ele quer para aquela cena.
Por exemplo, na peça O grande Deus Brown coloca entre parêntesis
as indicações: “ querendo mudar de assunto para que as palavras sejam menos ásperas....com
um sorriso forçado” ou em outra ocasião: “ olhando-la com dolorida
incredulidade”.
O cenário.
O’Neill também descreve cenários com muita precisão, com um
exagerado detalhe realista, aqui como apresenta
o cenário da casa onde transcorre a peça Estranho Interlúdio: “ As
paredes estão forradas, quase até o teto, de estantes protegidas por vidros. As
estantes se acham repletos de livros, principalmente de edições- muitas delas
velhas e raras- “.
Ele cria uma atmosfera intima para um aposento trazendo pormenores pessoais dos personagens
enriquecendo a cena.
A dinâmica do relato.
O’Neill tem um mérito importante como escritor ele conhece a
importância do ritmo narrativo, as obras tem dinâmica e crescendo que otimizam
a descrição dos fatos.
No Grande Deus Brown se chega a um ponto alto dramático quando
Dion morre e sua mulher o procura em quanto que Brown se faz passar por ele em um jogo vertiginoso
de entradas e saídas de um escritório de trabalho.
Na peça Estranho interlúdio o clímax se atinge no final de
uma competição de remo na qual os espectadores chegam a um êxtase de ebulição.
A questão da máscara.
Por último queria comentar em esta introdução como em estas
duas obras aparece o conceito de máscara de forma diferente: Em quanto no Grande
Deus Brown os personagens usam efetivamente uma máscara que duplica seu rosto no
Estranho interlúdio a máscara não é explicita, mas aparece como um discurso narrativo
mostrando o eu interior o que secretamente pensavam os protagonistas.
Nas duas peças a máscara aparece para esconder o “eu
verdadeiro” em oposição a um “eu social” inclusive em algumas encenações na
hora do discurso para si, no Estranho
interlúdio os personagens se colocaram efetivamente uma máscara para
diferenciar a fala interna da da externa.
No final do Grande Deus Brown , por exemplo, o recurso da máscara extrapola o sentido “mundo
interno-externo” e em determinado momento o protagonista usa a máscara do morto
para se fazer passar por ele perante a viúva.
Borges conclui que a
O´Neill sempre o inquietaram as máscaras e as usou a seu modo que nunca
tinha suspeitado nem os gregos nem o teatro Nõ.
As peças em questão.
Hoje vamos comentar duas peças dele: O grande Deus Brown(1926)
e o Estranho interlúdio (1927).
O grande Deus Brown é uma tragédia onde o autor narra o triangulo
amoroso e seu percurso na vida dos personagens Brown-Dion e Margarita e o Estranho
Interlúdio é um drama no qual O´Neill descreve
a vida de Nina ,uma mulher atraente, e sua relação com seis homens: seu pai,
seu primeiro namorado, um amigo, o pai de seu filho, seu marido e seu filho.
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O grande Deus Brown.
Sinopse.
Trata se da historia de dois homens, um exitoso,
materialmente realizado, o empresário Billy Brown; o outro, Dion, um homem que
se casa com a mulher que Brown deseja Margarita. Em contraste com a personalidade segura de Brown,
Dion é uma pessoa atormentada e espirituosa; uma quarta protagonista é Cybell (Sibila),
nome que remete as sacerdotisas ou profetizas romanas, é uma personagem que se
articulam entre os dois. Dion morre e Brown tenta se fazer passar por Dion
(isto
ocorre com um jogo de
máscaras) para ter o amor de Margarita
mas fracassa.
A máscara.
Eugene O´Neill escreve
esta peça de teatro e coloca em cada ato uma máscara com seu próprio rosto,
com este recurso duplica de algum modo cada personagem trazendo um lado
externo, epidérmico, social e outro próprio.
Os dois lados são reais e os dos representam a mesma pessoa,
inclusive eles podem se fazer passar pelo outro se pegam e se colocam sua
máscara.
Aqui parte de uma fala de Dion que reflete indiretamente sobre
a questão da máscara: “Hora de existir!
Hora de aprender a fingir! Cobre tua
nudez! Aprende a mentir! Se une com a procissão! Se envergonha ! “.
Perolas.
Em um determinado
momento da trama, quando Dion observa suas inquietações e se debate intuindo o
amor que senti por Margarita diz:
“Por que tenho medo de dançar, eu que amo a música e o ritmo e a graça e a canção e o riso? Por que tenho medo de viver, eu que amo a vida e a beleza da carne e as cores vivas da terra e o céu e o mar? Por que tenho medo de amar, eu que amo o amor?”
“Por que tenho medo de dançar, eu que amo a música e o ritmo e a graça e a canção e o riso? Por que tenho medo de viver, eu que amo a vida e a beleza da carne e as cores vivas da terra e o céu e o mar? Por que tenho medo de amar, eu que amo o amor?”
Aqui outro texto do personagem
Dion : “ O amor é uma palavra, o fantasma
desavergonhado e andrajoso de uma
palavra que mendiga em todas as portas”...
“Aqui Dion reflete sobre a arte e sobre si mesmo afirmando
que sua própria arte não passa de uma falácia: ”Para mim a arte é tal que isto vai parecer ter uma mera finalidade
burguesa respeitável como os
suspensórios de um deputado! Só a mim esta pomposa fachada vai me revelar seu
verdadeiro rosto, o fatigado gesto irônico de Pan que, que com os ouvidos
cansados pelo desmaiado zumbido de ontem e de amanhã, escuta sem forças as leis
aprovadas pelas suas próprias pulgas para escravizá-lo“.
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Estranho Interlúdio.
Ao longo dos seus nove atos a peça narra a trajetória de seus personagens caminhando durante
mais de 20 anos entre segredos, desejos e triângulos amorosos incluído
uma presença onipresente (a do Gordon, namorado de Nina morto na guerra) como
um paixão que acaba determinando o caminho da historia.
Sinopse.
O´Neill relata o
percurso de toda uma vida tendo como eixo as relações amorosas de um personagem
feminino.
Nina Leeds é uma jovem sedutora que após a morte do seu
namorado (Gordon Shaw) fica para o resto da sua vida obsessiva tentando
reconstruir sua afetividade com relações substitutas.
Primeiro se recolhe em um hospital de reabilitação de
feridos de guerra, segundo se casa com Sam Evans para ter um filho e suprir seu
amor passional pelo amor materno, Charles Masden (escritor amigo da família)
acompanha a trama desenvolvendo um amor silencioso por Nina.
A mãe de Sam interfere dizendo que um filho com Sam seria um
risco porque a família toda sofre de problemas mentais o que faz que Nina decida abortar o filho de Sam e , sem se separar dele, tenha um filho com
Ned Darrell, médico e amigo de Sam , isto para evitar ter um filho problemático
e ao mesmo tempo, realizar seu desejo maternal.
O plano fracassa porque o encontro sexual com Ned não foi apenas higiênico, destinado a
fines de reprodução; Nina e Ned se apaixonam e assim cresce um circulo erótico
que inclui Nina como centro mais seu marido, seu simpatizante e a presença
sempre ativa de Gordon Shaw no imaginário e no real da sua vida erótico-afetiva.
No desenlace da trama morre Sam (eterno substituto de
Gordon) e Nina ao invés de confirmar sua relação clandestina com Ned acaba
preferindo uma vida pacata ao lado do Charles (seu admirador-amigo- quase pai).
Pérolas.
Em um
determinado momento um dos personagens (Charles), que é quem acaba se casando
com Nina, relata em um discurso o efeito do amor na sua literatura: “Eu sempre fui um suave sussurrante de
mentiras....Agora vou proferir um alarido sincero e são...a ascender o sol nas
sombras das mentiras....a gritar- Esta é a vida e isto é o sexo e aqui esta
paixão e o ódio e a dor e o êxtases e estes são homens e mulheres e filhas
cujos corações são fracos e fortes, cujo sangue é sangue e não um xarope
sedativo-”.
Charles sugere num dos diálogos finais a cena do casamento:
“Terá que ser na hora que precede ao crepúsculo,
quando a terra sonha com coisas tardias e com místicos pressentimentos da
beleza da vida”. Dentro da mesma cena Nina revela o significado do título da peça na frase:
"As nossas vidas são interlúdios
estranhos e escuros no fazer criativo de Deus pai!".
Para
finalizar com este ponto citamos aqui um pensamento do Ned referindo se ao que verdadeiro e falso: “Si se despedaça uma mentira os pedaços são
a verdade”.
O Estilo.
Um dos pontos de destaque da peça
é esse jogo que O´Neill propõe dando ao leitor a possibilidade de ter acesso aos
pensamentos intimos dos personagens, para além de suas falas diretas, o que
torna qualquer encenação um desafio e tanto.
A
crítica enfatiza o acontecimento de que o leitor acessa o hiato entre o que
os personagens dizem e o que pensam secretamente, o que os torna quase
monstruosos perante ele, por revelarem suas fraquezas e mesquinharias sem a
censura que se permitem quando dialogam entre si.
Encenações.
Recriada
no Teatro e na grande tela a peça teve até um filme na Holliwod nos anos 30
protagonizado por Clatk Gable chamado
Estrange Interlude, no Brasil Mentiras da Vida.
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Final
Fica
aqui esta apresentação na forma de
sugestão de leitura de estas duas belíssimas peças, seguiremos com O´Neill em
outra resenha trazendo A Eletra lhe cai
bem o luto junto com o mito grego nas peças de Esquilo e Sófocles.