Hoje vamos falar sobre dois livros que se debruçam em dois
momentos da essência humana: o amor e a perda. Da obra de Tanizaki : “A gata,
um homem e duas mulheres” e “o cortador de Juncos”.
O autor.
Tanisaki . Jun’ichiro
Tanizaki nasceu em Tóquio, em 1886; morreu em 1965. Estudou literatura japonesa
na Universidade Imperial de Tóquio.
Tanizaki no clássico da literatura japonesa: O Conto de Genji, escreveu sua
obra mais relevante: As irmãs Makioka.
Também escreveu ensaios como "Elogio das sombras" e traduziu para o japonês autores ocidentais,
como Stendhal e Oscar Wilde.
O caráter anti-moralista das relações humanas
nortearia toda a carreira de Tanizaki, muito provavelmente por sua formação
budista que, diferente da cultura cristã, olha desde outro lugar a noção de
pecado.
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“A gata, um homem e duas mulheres” .
Poucas narrações têm como protagonista um felino e poucos
autores escrevem com tanta aptidão sobre o mundo interior dos animais e dois humanos.
Quem já conviveu com gatos pode se identificar com facilidade
com o comportamento da gata Lily e do Shozo seu amo.
Quem se aproxima do relato pode ficar maravilhado ao
constatar a sabedoria do Tanizaki , que na época (em 1909), com apenas 23 anos de idade, conseguia produzir um texto com tanta lucidez
em matéria de franqueza e contato apropriado com o mundo interior dos
personagens.
O argumento.
Um
homem mora com sua mãe, uma gata e sua parceira. A ex mulher tenta manter o elo
com o seu ex marido retendo a guarda da gata para si. Criam-se triângulos entre os dois casais e a
gata perturbando o sossego do protagonista que morre de amores pelo felino.
Os recursos literários.
O
conto começa com uma carta de Shinako ex mulher de Shozo para sua atual mulher
Fufuko pedindo ficar com Lily (a gata).
A
narração se desenvolve em nove capítulos e o narrador onisciente se altera com
diálogos entre os personagens e reflexões interiores escritas em letra itálica.
A critica das criticas.
Quando escrevo estas resenhas tenho por costume consultar as críticas que
fazem do livro em questão. Neste caso a única que achei própria foi o do Elias
Fajardo publicado no caderno de cultura do jornal O Globo que entende que o
livro transita entre a beleza e a melancolia
Publicada no portal “Escotilha” Marilia
Kubota, erroneamente, destaca o erotismo, a
possessão, a perversidade; sugerindo até uma relação sexual entre a gata e seu
amo.
Na Amazon quem comenta (sem identificação) afirma de modo vulgar: “três fêmeas pela posse
deste homem fraco“.
Na
edição brasileira erroneamente se comenta, na orelha do livro, que o autor
recorre à imagem do felino como uma metáfora das falências das relações
humanas.
Na
realidade trata-se de uma relação verdadeira entre um homem e uma gata , aqui
um relato que comprova esta perspectiva: “Shozo pensava que, por mais
inteligente que a gata fosse, não passava de um animal, e se perguntava como –apesar
disso- ela conseguia ter um olhar tão expressivo. Estaria de fato pensando em
coisas tristes?”.
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O cortador de juncos.
O título remete à ideia de
pobreza, de extrema pobreza (o termo do cortador de juncos é homônimo de
desgraçado).
No começo do livro um
poema de Yamato Monogatari coloca a questão do amor e sua relação com a
realidade social.
O Poema: “Intentei viver
como cortador de juncos, mas sem você a vida na baia de Naniwa se tornou o
maior fardo”.
No caso, o poema trata
sobre a relação de um casal que por conta da situação econômica precária decidem se separar no intuito de
procurarem saídas para seus destinos. Ela consegue casar com um nobre , mas ele
não alcança mudar sua situação. Ele encontra ela , mas envergonhado se oculta.
No poema o homem descreve a situação de desespero material e nos confessa como sofre ainda mais por conta da sua
separação.
Argumento.
O protagonista decide fazer um passeio , visita templos, rios
até se deter para observar a lua num
descanso da viagem. Em este momento do
relato o narrador
encontra um segundo personagem, que conta a história de sua família. Seu pai,
Serihashi, apaixonou-se na juventude por uma jovem de beleza única, Oyu. Ela
casou com um nobre e teve um filho com seu cônjuge, o marido morreu, mas a
jovem é mantida pela família do esposo falecido. Para conservar os seus
privilégios, Oyu não pode se casar. Para ficar junto de sua amada, Serihashi assiste
Oyu realizar apresentações musicais e casa com Oshizu uma das irmãs de Oyu.
Oshizu,
por sua vez, casa-se apenas para ser leal a Oyu e não pretende consumar a
união. Com o tempo, aumentam as fofocas sobre a paixão de Serihashi pela cunhada.
O desfecho do triângulo amoroso acaba com Oyu voltando a contrair novo
matrimonio com um homem para o qual ela não passava de um enfeite e a
consumação do matrimonio de Serihashi com Oshizu
Ficam
no ar as belas imagens de Oyu tocando Koto (instrumento japonês) nas festas do
luar fazendo suas camareiras realizem danças.
O relato.
O
autor realiza muitas referencias à tradição literária na primeira parte do relato e ao teatro Nô (no
sentido de contar uma historia dentro de outra) na segunda parte da historia.
Vamos
citar uma situação que ocorre quando o protagonista escuta o canto típico do
teatro Nô por parte do homem que narra a historia de Oyu: “Sua cantoria me soou ofegante e
sofrida. Além disso, ele não tinha algo que pudesse considerar uma bela voz, e
seu volumem era baixo; mas a música
continha uma simplicidade rústica e elegante e era cantada com bastante técnica.
De todo modo, levam-se anos para que um estilo de canto do Nô se consolide
propriamente .”
Outra
historia paralela interessante envolve um grupo de prostitutas e aparece nas
notas de rodapé :Numa das historias
envolve um monge que fica admirado quando uma prostituta responde com um poema;
o segundo exemplo um outro monge sonha que uma outra prostituta é a
reencarnação de Fugen, tendo confirmada sua visão quando ele a visita e
presencia sua ascensão aos céus, montada num elefante branco.
Desdobramentos no cinema.
O
grande diretor Kenji Mizoguchi filmou em 1951 uma adaptação do conto. Aqui
algumas cenas do renomado filme “La señorita Oyu”.
Final.
Os
dois textos são belíssimos e contem toda a elegância e a discrição da essência
do ser japonês.
As
relações humanas costuradas nos dois relatos expõem a complexidade das
circunstancias que intervém na direção da realização amorosa do homem.